Dia da Mulher Negra: discutindo identidade e resistência
Inspirado no Dia da mulher negra, latino-americana e caribenha, o Brasil homenageia a líder quilombola Tereza de Benguela. Saiba mais sobre ela e confira reflexões importantes sobre a data
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Em 25 de julho, comemoramos no Brasil o Dia da Mulher Negra, inspirado no Dia da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha.
A celebração evidencia as lutas e conquistas vividas por essas mulheres, que historicamente têm sido marginalizadas e oprimidas, enfrentando persistentes desafios, como a discriminação racial e de gênero, que, ainda hoje, limitam suas oportunidades e acesso a direitos básicos.
Neste artigo, reunimos informações que, além de servirem como repertório sociocultural sobre o tema, podem ajudar a fortalecer o seu pensamento crítico.
NAVEGUE PELOS CONTEÚDOS
Como surgiu o Dia da Mulher Negra no Brasil?
A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1992, durante o 1º Encontro de Mulheres Afro-latinoamericanas e Afro-caribenhas, realizado em Santo Domingo, na República Dominicana.
Na época, o evento reuniu por volta de 300 representantes de 32 países, que compartilharam suas vivências, denunciaram opressões e debateram soluções para uma luta expressiva contra o racismo e o sexismo no mundo. Desde então, o dia se tornou um marco da união das vozes de mulheres afrodescendentes de todo o continente.
Mais de 30 anos após a instituição desse dia e do diálogo sobre as demandas iniciais apresentadas em Santo Domingo, mulheres negras continuam submetidas a violências e vulnerabilidades.
Quem foi Tereza de Benguela?
No Brasil, celebra-se a trajetória da líder quilombola Tereza de Benguela junto ao Dia da Mulher Negra, instituído pela Lei n. 12.987/2014.
Tereza resistiu à escravidão durante o século 18 e lutou pela comunidade negra e indígena sob sua proteção no Quilombo do Piolho ou do Quariterê, o maior do Mato Grosso.
Ela comandou a estrutura política, econômica e administrativa do local. Além disso, adotou um sistema de defesa a partir de armas trocadas com os brancos ou roubadas nas vilas próximas.
O Quilombo do Quariterê resistiu até 1770, quando Luís Pinto de Sousa Coutinho, governador da capitania de Mato Grosso, destruiu o acampamento. Acredita-se que Tereza de Benguela (imagem ao lado) possa ter cometido suicídio após ser capturada pelos bandeirantes ou assassinada quando houve a invasão.
Rainha Tereza, como é conhecida, tornou-se figura central nas comemorações do 25 de julho e do mês como um todo, que pretende dar visibilidade às mulheres negras.
(Imagem: Reprodução de quadro assinado por F. Vallouton I/Wikimmedia Commons)
Feministas negras brasileiras
Assim como Tereza de Benguela, as mulheres negras no Brasil sempre estiveram no centro dos embates contra vários tipos de opressão.
Muitos nomes, no entanto, foram apagados da história nacional, talvez motivados pelo sexismo. Por meio de objetificação sexual e discriminação, ele busca legitimar uma falsa superioridade dos homens e coloca em xeque atos importantes de protagonismo feminino.
Quando olhamos para um passado recente, no contexto da ditadura militar brasileira (1964-1985), por exemplo, feministas negras foram muito ativas. Participaram de associações de bairro, partidos políticos, sindicatos e movimentos estudantis, conforme afirma Tauana Silva em sua tese de doutorado.
Filha de um operário e de uma empregada doméstica, Lélia Gonzalez (imagem abaixo) é um desses nomes significativos no contexto de luta e resistência. Desde os anos 1970, a ativista, professora e antropóloga brasileira esteve presente nas discussões sobre gênero e desigualdades.
Essa envolvimento motivou a criação do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras do Rio de Janeiro. Depois, em 1978, ela integrou os pilares fundadores do Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial ou Movimento Negro Unificado (MNU).
Nessa mesma época, junto com outras militantes, Lélia ainda inaugurou o Nzinga - Coletivo de Negras.
A ideia era discutir racismo, além de pautas culturais, religiosas e políticas inspiradas no continente africano. O coletivo deu origem ao Nzinga Informativo, boletim feminista que reforçou a identidade da mulher negra e se aprofundou em questões que atendiam especificamente ao grupo.
(Imagem: Reprodução/Arquivo Fundação Cultural Palmares)
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Mulheres negras: repertório sobre desigualdade
Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) de 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de pessoas que se autodeclaram pretos e pardos cresceu no Brasil.
No total, a população brasileira é 54% negra, da qual 28% são mulheres, que movimentam cerca de R$ 704 bilhões por ano no país.
Essa realidade, porém, não é a mesma quando se trata de representatividade. Confira alguns números que demonstram as desigualdades que vivem as mulheres negras no Brasil:
- em 2020, elas ocupavam apenas 2% do Congresso Nacional. Em 2021, de acordo com o estudo desenvolvido pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), eram 1,9% dos cargos de liderança no mercado de trabalho;
- o salário também é o menor entre homens e mulheres, com rendimento médio de R$ 1.471;
- quando se trata de violência, a mulher negra é a maior vítima. Dados publicados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023) mostram que 88,7% das pessoas que sofrem estupro são do sexo feminino, sendo 56,8% mulheres negras;
- as taxas de feminicídio são igualmente maiores nessa parcela da população, atingindo 61,1%.
- dados obtidos pela Gênero e Número, junto ao Ministério da Saúde via Lei de Acesso à Informação, revelam que as mães pretas são as que mais morrem no parto;
- a cada 100 mil mulheres pretas que estiveram em uma unidade de saúde para dar à luz entre 2008 e 2017, 22 morreram - número duas vezes maior que o de gestantes brancas.
Entre os principais motivos, segundo especialistas, estão o racismo institucional e a estigmatização da condição socioeconômica, fatores que contribuem para desigualdade no sistema de saúde.
A importância de ações afirmativas
Diante do apagamento sofrido por mulheres negras ao longo da história, é necessário fortalecer a autonomia delas na luta contra opressões de gênero e raça.
Para isso, a existência de ações afirmativas, que contemplem áreas como educação, economia, segurança pública e outras, é essencial.
Em julho de 2023, o Ministério da Igualdade Racial (MIR) lançou uma política de Promoção de Saúde Psíquica e Social para mulheres negras e familiares vítimas da violência do Estado brasileiro.
As ações começaram por Salvador, Rio de Janeiro e Belém, seguindo as informações sobre municípios com maiores taxas de homicídio de jovens negros.
O objetivo é viabilizar uma rede de atendimento psicossocial para mães, esposas e outros familiares que são, majoritariamente, mulheres pretas lutando por justiça.
Outra iniciativa, uma parceria entre MIR, Ministério dos Povos Indígenas, Ciência, Tecnologia e Inovação, Ministério das Mulheres, CNPq e CAPES vai destinar R$ 6 milhões em bolsas de doutorado e pós-doutorado no exterior.
Por meio do edital Atlânticas - Programa Beatriz Nascimento de Mulheres na Ciência, entre centenas de trabalhos, 69 pesquisadoras foram pré-selecionadas para integrar o programa que visa aumentar a presença e permanência de mulheres negras, quilombolas, indígenas e ciganas na ciência brasileira.