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Abolição da escravatura: reflexões sobre o 13 de maio no Brasil

A assinatura da Lei Áurea, que extinguiu legalmente a escravidão em território brasileiro, completa 135 anos. Confira o contexto histórico do gesto e reflexões sobre o movimento abolicionista no país

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Neste sábado (13 de maio) completam-se 135 anos desde a assinatura da Lei Áurea, que extinguiu legalmente a escravidão no Brasil. A história do gesto realizado pela princesa Isabel em 1888 é frequentemente "mal contada". Raramente destaca-se o quão importante foram a pressão pública e a campanha abolicionista que se estendiam por todo o país. Além dos diversos movimentos que reivindicavam a abolição da escravatura muito antes da assinatura da Lei.

O que foi a abolição da escravatura no Brasil?

A assinatura da Lei 3.353, de 13 de maio de 1888, que chamamos de Lei Áurea, é o último movimento da campanha abolicionista que pressionava o congresso brasileiro há décadas.

Membros da sociedade civil (como advogados, médicos e jornalistas) trabalhavam em prol da liberdade de escravizados. Escravos e ex-escravos resistiam à pratica por meio das fugas e da formação de quilombos. E associações de políticos, intelectuais e demais estudiosos tinham o propósito de derrubar a prática no Brasil.

Por muito tempo, o gesto da princesa Isabel foi retratado como "benevolência" de parte da monarquia brasileira. Isso mascarou a luta e a resistência que populações escravizadas protagonizaram por séculos antes da assinatura da lei. Criou ainda uma narrativa que canonizou Isabel como "salvadora dos escravos brasileiros".

Essa visão recebe muitas críticas da historiografia atual, que busca destacar o papel dos povos escravizados no processo abolicionista, essencial para a aprovação da Lei.

Imagem que mostra a Lei Áurea, que determinava a abolição da escravatura, em 1888
Lei Áurea, assinada em 1888 (Imagem: Reprodução)

Contexto histórico

A assinatura da Lei Áurea aconteceu em um momento muito frágil da monarquia brasileira. Havia pressão política de setores da sociedade por conta dos desdobramentos (econômicos e militares) da Guerra do Paraguai, dos desentendimentos entre Coroa e Igreja Católica, e do descontentamento da população com o país.

Além disso, internacionalmente, cobrava-se o Brasil para criminalizar a prática da escravidão.

O Reino Unido da Grã-Bretanha atuava desde o começo do século para conquistar mercados consumidores de manufatura. Ou seja, países que comprassem produtos industrializados produzidos à partir da Revolução Industrial.

Essa postura econômica ia contra a situação escravista do Brasil, uma vez que escravizados não recebiam salário e não podiam comprar tais produtos.

Bill Aberdeen (1845)

A solução definitiva da Grã-Bretanha veio em 1845 com a promulgação da Bill Aberdeen, uma lei que autorizava navios ingleses a abordar navios negreiros no Oceano Atlântico e confiscar suas cargas. O principal objetivo era minar o tráfico negreiro, reduzindo a entrada de escravizados no Brasil.

Essa lei não surtiu tanto efeito, pois o tráfico continuava, embora de maneira escondida. Assim, o Reino Unido continuou pressionando o governo brasileiro a agir duramente contra os traficantes.

Lei Eusébio de Queirós (1850)

A Lei Eusébio de Queirós foi a primeira resposta política efetiva do governo brasileiro contra o tráfico de pessoas. Ela proibia a entrada de africanos escravizados no Brasil, além de criminalizar a prática.

Em poucos anos, a chegada deles no país reduziu drasticamente, entretanto, abriu espaço para o tráfico interno, com indivíduos levados para regiões de produção cafeeira. Houve ainda um súbito aumento do preço do escravizado por causa da criminalização.

É nesse contexto que o estado começa a investir nos sistemas de parcerias e a convidar imigrantes alemães e italianos para virem ao Brasil trabalhar nas lavouras de café.

Lei do Ventre Livre (1871)

Promulgada em 28 de setembro de 1871, a Lei do Ventre Livre definia que todos os filhos de mulheres escravizadas, a partir da data, seriam declarados livres. Entretanto, como não se podia separar a mãe da criança, havia algumas condições:

  • crianças de até oito anos ficavam junto da mãe e sob a autoridade do senhor de escravos;
  • ao completar oito anos, o senhor de escravos podia escolher entregar a criança ao Estado e receber uma indenização. Ou utilizar-se dos seus serviços até que completasse 21 anos;
  • então, ao 21 anos, o escravo era declarado livre.

Apesar de ser considerada uma conquista, a Lei do Ventre Livre não estabelecia valores máximos de alforrias, não proibia o tráfico entre as províncias e não definia uma expectativa com relação ao fim da escravidão.

Abolição da escravatura - Capa da Lei do Ventre Livre, de 1871
Capa da Lei do Ventre Livre, de 1871 (Imagem: Reprodução)

Lei dos Sexagenários (1885)

Promulgada em 28 de setembro de 1885, a Lei dos Sexagenários é lembrada por se tratar de uma prévia da emancipação que aconteceria em 1888. Entretanto, também foi alvo de muitas críticas por causa da idade em que a alforria seria concedida - 60 anos.

Essas pessoas eram uma parcela muito pequena do total de escravizados no Brasil. A lei ainda definia que o indivíduo deveria manter-se servindo até os 65 anos, como forma de indenização pela alforria.

Na prática, não houve muitos resultados, visto que a maioria dos escravizados sequer ultrapassava 30 anos.

Família brasileira no Rio de Janeiro representada pelo francês Jean-Baptiste Debret
Família brasileira no Rio de Janeiro representada pelo francês Jean-Baptiste Debret, em 1839 (Imagem: Reprodução)

13 de Maio de 1888 — Lei Áurea

Assinada pela princesa Isabel, representando D. Pedro II que estava fora do Brasil, a Lei Áurea declarou ilegal possuir, comprar ou vender escravos no Brasil. Segundo os registros da época, existiam cerca de 700 mil pessoas em estado de escravidão que foram libertas com a promulgação desta lei.

Porém, mesmo representando a maior conquista do movimento abolicionista, a Lei Áurea possuía diversos problemas. A integração dos alforriados à sociedade brasileira era o principal deles, pois não foi planejada pelo governo.

Por mais degradantes que fossem as condições de vida dos escravizados, seus senhores forneciam comida e abrigo - não por bondade, mas porque eram vistos como produto. Com o fim da escravidão, essas pessoas agora estavam sem dinheiro, sem ter onde morar e sem um projeto social que as considerasse parte da população.

O que aconteceu após a abolição da escravatura no Brasil?

Se a Lei Áurea marcou o fim do movimento abolicionista no Brasil, iniciou também uma nova etapa na luta por direitos civis igualitários das populações negras e africanas no país.

A liberdade garantida pela lei não se materializou em inclusão social e as marcas de uma sociedade escravista e racista permaneceram vigentes no cotidiano brasileiro.

Os povos recém libertos migraram em busca de melhores condições de vida e emprego. É nesse contexto de marginalização que começam os processos de favelização nos arredores dos centros urbanos.

Assim, essa falta de planejamento da Lei Áurea é considerada um dos principais motivos para que os negros no Brasil fossem estigmatizados culturalmente.

Importância da abolição da escravatura

Apesar de ter chegado tarde - o Brasil foi o último país da América a acabar com a escravidão - a abolição da escravatura foi um direito conquistado com a luta de muitas frentes sociais e políticas. Elas batalharam pela garantia de direitos mínimos de existência para uma população que passou séculos sob um dos regimes de desumanização mais brutais da história.

É inquestionável o valor e a simbologia deste momento na memória do Brasil, tanto de forma social quanto jurídica, visto que a Lei Áurea foi a primeira a criminalizar a escravidão no país.

Importante destacar, porém, que o trabalho análogo à escravidão ainda é uma realidade. Em 2021, 50 milhões de pessoas se encontravam nessa situação, conforme aponta a Organização Mundial do Trabalho.

Como o tema da abolição da escravatura cai no Enem e nos vestibulares?

A abolição da escravatura aparece no Enem e nos vestibulares relacionada a conteúdos de diversas temporalidades:

  • temas que comparam a escravidão presente na Idade Antiga com o tráfico atlântico de escravos;
  • abordam a realidade do escravizado dentro da sociedade brasileira;
  • analisam os impactos sociais do regime escravista na sociedade;
  • relacionam o processo abolicionista com o contexto de proclamação da república e outros.

Exemplo 1 - Enem 2015

Texto I

Em todo o país a lei de 13 de maio de 1888 libertou poucos negros em relação à população de cor. A maioria já havia conquistado a alforria antes de 1888, por meio de estratégias possíveis. No entanto, a importância histórica da lei de 1888 não pode ser mensurada apenas em termos numéricos. O impacto que a extinção da escravidão causou numa sociedade constituída a partir da legitimidade da propriedade sobre a pessoa não cabe em cifras.

ALBUQUERQUE. W. O jogo da dissimulação: Abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 2009 (adaptado).

Texto II

Nos anos imediatamente anteriores à Abolição, a população livre do Rio de Janeiro se tornou mais numerosa e diversificada. Os escravos, bem menos numerosos que antes, e com os africanos mais aculturados, certamente não se distinguiam muito facilmente dos libertos e dos pretos e pardos livres habitantes da cidade. Também já não é razoável presumir que uma pessoa de cor seja provavelmente cativa, pois os negros libertos e livres poderiam ser encontrados em toda parte.

CHALHOUB, S. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Cia. das Letras, 1990 (adaptado).

Sobre o fim da escravidão no Brasil, o elemento destacado no Texto I que complementa os argumentos apresentados no Texto II é o(a)

a) variedade das estratégias de resistência dos cativos.   

b) controle jurídico exercido pelos proprietários.   

c) inovação social representada pela lei.   

d) ineficácia prática da libertação.   

e) significado político da Abolição.   

Resposta: [E]
A ideia presente nos textos é de que, antes mesmo da abolição, já não era possível assumir que todo negro estava escravizado, dado o número de alforriados. Porém, o trecho do texto I, “a importância histórica da lei de 1888 não pode ser mensurada apenas em termos numéricos”, deixa claro que não se trata apenas da efetividade numérica da abolição, mas do que ela representa para a população.

Exemplo 2 - Unicamp 2014

Como os abolicionistas americanos previram, os problemas da escravidão não cessariam com a abolição. O racismo continuaria a acorrentar a população negra às esferas mais baixas da sociedade dos Estados Unidos. Mas se tivessem tido a oportunidade de fazer uma viagem pelo Brasil de seus sonhos – o país imaginado por tanto tempo como o lugar sem racismo – eles teriam concluído que entre o inferno e o paraíso não há uma tão grande distância afinal.

(Adaptado de Célia M. M. Azevedo, Abolicionismo: Estados Unidos e Brasil, uma história comparada (século XIX). São Paulo: Annablume, 2003, p. 205.)

Sobre o tema, é correto afirmar que:

a) A experiência da escravidão aproxima a história dos Estados Unidos e do Brasil, mas a questão do racismo tornou-se uma pauta política apenas nos EUA da atualidade.   

b) Os abolicionistas norte-americanos tinham uma visão idealizada do Brasil, pois não identificavam o racismo como um problema em nosso país.   

c) A imagem de inferno e paraíso na questão racial também é adequada às divisões entre o sul e o norte dos EUA, pois a questão racial impactou apenas uma parte daquele país.   

d) A abolição foi uma etapa da equiparação de direitos nas sociedades norte-americana e brasileira, pois os direitos civis foram assegurados, em ambos os países, no final do século XIX.   

Resposta: [B]
A ideia central do texto apresentado é de que os abolicionistas estadunidenses se iludiram ao achar que o Brasil não possuía o racismo como algo intrínseco ao seu sistema escravagista.

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Magno Dick

Graduando em História (licenciatura e e bacharelado) pela UFSC e colaborador no blog do Aprova Total.

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