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Escravidão moderna: dados e argumentos para a sua redação

O assunto pode ser cobrado nos vestibulares e no Enem, além de aparecer na redação! Confira principais conceitos, os panoramas nacional e internacional e exemplos de questões

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Escravidão moderna ou trabalho análogo à escravidão é um tema que costuma aparecer no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e nos vestibulares em geral, seja nas questões ou como proposta de redação.

Por isso, atentar-se aos conceitos que envolvem esse assunto é muito importante, já que ajuda a entender o contexto mundial e nacional, assim como as leis e as políticas públicas que o Brasil possui para coibir a prática.

Nesse contexto, lembramos que em 28 de janeiro é celebrado o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo no Brasil.

A data é uma referência à tragédia que ocorreu em 2004, quando os auditores fiscais do trabalho Nélson José da Silva, João Batista Lage, Eratóstenes Gonçalves, além do motorista do veículo, Aílton de Oliveira, morreram em uma emboscada em Unaí (MG). Eles estavam a caminho de uma propriedade para investigar denúncias de trabalho escravo.

Escravidão moderna é o tema discutido no EP 6 do AprovaDocs, série de webdocumentários exclusivos produzidos pelo Aprova Total para os alunos da plataforma em busca de repertório para redação.

Quais são os tipos de escravidão moderna?

No planeta, aproximadamente 50 milhões de pessoas se encontravam em situação de escravidão moderna em 2021, um aumento de 9,3 milhões em relação a 2017. Os dados resultam da pesquisa da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Organização Internacional para as Migrações (OIM).

Os dois órgãos, ligados à Organização das Nações Unidas, definem escravidão como qualquer exploração que impeça a recusa de um trabalho ou a fuga do indivíduo por meio de violência física e mental, engano, ameaças, abuso de poder e outras formas de coerção.

Ainda hoje, no Brasil, por exemplo, são frequentes as operações que resgatam trabalhadores tratados como escravos nas safras de café, de erva-mate, em fábricas de tijolos, farinha de mandioca e de carvão vegetal. Chamamos isso de escravidão moderna, uma suja realidade dentro da indústria mundial.

A escravidão moderna atinge 1 a cada 150 pessoas no mundo, e pode ser subdividida em dois principais tipos de exploração - você pode citar esse dado na sua redação:

  • trabalho forçado, que acomete 27,6 milhões de pessoas no mundo
  • pessoas submetidas a casamentos forçados (22 milhões), o que muitas vezes significa uma condenação para a vida toda

Mesmo sendo “análogo à escravidão”, o que se chama de trabalho forçado atualmente é diferente do trabalho escravo do período colonial do Brasil. O que permanece são os métodos para manter as pessoas obrigadas a trabalhar: ameaças, violência e coerção.

Trabalho forçado

O número de pessoas expostas ao trabalho forçado aumentou em 2,7 milhões entre 2017 e 2021, chegando a 27,6 milhões. A maior parte das vítimas é de homens, apesar de atingir também 11,8 milhões de mulheres e garotas.

O dado se torna ainda mais dramático quando se sabe que 12% (3,3 milhões) são crianças e metade delas está envolvida na exploração sexual. Ou seja, a temática se cruza com a questão mais ampla do trabalho e da prostituição infantil.

crianças mostram as mãos sujas simbolizando escravidão moderna
Trabalho infantil é ilegal e priva crianças e adolescentes do desenvolvimento digno (Imagem: Adobe Stock)

O trabalho forçado se espalha nos mais variados ramos da economia no planeta. Seja na agricultura, na indústria, construção civil, mineração ou serviços, ele continua presente. Atividades diretamente vinculadas ao Estado respondem por 14% de indivíduos em trabalho forçado no mundo, com mais da metade sendo o trabalho compulsório e degradante em prisões.

Por outro lado, as atividades privadas são responsáveis por 86% dos casos de trabalho forçado, o que inclui exploração sexual (com 4/5 das vítimas sendo mulheres).

Entre os instrumentos mais comuns de imposição do trabalho forçado está a chantagem. Ela ocorre através de dívidas, retenção de salários, confinamento forçado, violência física e mental e privações de direitos básicos, como alojamento e alimentação digna. No caso dos homens, um setor relativamente comum é o da construção civil, enquanto para as mulheres o trabalho doméstico é considerável.

Casamento forçado

O casamento forçado era realidade para 22 milhões de pessoas no planeta em 2021, num aumento vertiginoso de 6,6 milhões em comparação a 2017.

A chantagem emocional também é comum nesse contexto, sendo que, em 90% dos casos, é a família que orquestra o procedimento. Cerca de 2/3 das vítimas são mulheres, abrindo um leque de explorações possíveis, que envolvem desde sofrimentos íntimos até o abuso do trabalho doméstico e não remunerado.

Garota tapando o rosto e sendo puxada por um adulto simbolizando o casamento forçado e escravidão moderna
Segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho a ordem da prevalência de casamento forçado nas regiões do mundo é: países árabes, Ásia e países do Pacífico, Europa e Ásia Central, África e Américas (Imagem: Adobe Stock)

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Impactos da escravidão moderna na sociedade

O mais recente relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta que o aumento nos casos de escravidão moderna nos últimos anos está relacionado às crises simultâneas no mundo, como a pandemia da Covid-19, os conflitos armados e as mudanças climáticas - você pode usar esse argumento na sua redação!

Esses fatores têm como consequências rupturas nos empregos e nos sistemas de educação, além do aumento da pobreza extrema, da migração insegura e da violência de gênero.

O mesmo órgão indica algumas atitudes que os governos nacionais poderiam adotar para combater o trabalho escravo.

São elas: o respeito aos direitos de organização coletiva dos trabalhadores, a garantia de proteção social básica, a vigilância sobre os abusos no momento do recrutamento, além do fortalecimento das agências de inspeção pública sobre o trabalho.

É preciso ainda insistir na penalização dos responsáveis e na atenção à vulnerabilidade infantil e dos imigrantes, grupos especialmente atingidos.

Existem mais de 300 tratados internacionais pelo fim do trabalho escravo e do comércio de pessoas, e mais de 12 convenções mundiais de combate à escravidão contemporânea, entretanto, o problema persiste. Hoje, no Brasil, o Ministério Público do Trabalho tem sido um dos principais órgãos de atuação nesse contexto.

O Brasil e o trabalho análogo à escravidão

No plano internacional, esforços para coibir novas formas de escravidão passaram a despontar no cenário pós 1ª Guerra Mundial. A OIT foi criada em 1919, e no seu âmbito aconteceu a Convenção sobre o Trabalho Forçado (1930), incorporada às leis brasileiras na década de 1950. 

Segundo o artigo 149 do Código Penal Brasileiro, a “condição análoga à escravidão” ou escravidão contemporânea caracteriza-se por quatro elementos:

  1. submissão a trabalhos forçados
  2. servidão por dívida
  3. condições degradantes
  4. jornadas exaustivas

Essa informação data de 2003 e se adequa ao que está disposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que condena a escravidão e o tráfico de escravos.

Ou seja, trabalho escravo ou forçado é toda a modalidade de exploração do trabalhador em que ele esteja impedido de abandonar o serviço, no momento e pelas razões que entender apropriadas. Além
disso, desde a assinatura da Lei Áurea em 1888, o Estado brasileiro não reconhece que alguém tenha “posse” sobre uma pessoa.

Contudo, segundo o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, a partir do monitoramento da Secretaria de Inspeção do Trabalho, cerca de 60 mil pessoas foram encontradas em situação análoga à escravidão no território nacional desde 1995.

No Brasil, o combate a essa realidade implica tanto o cumprimento das próprias leis como dos compromissos internacionais do último século.

O item 8.7 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas inclui a eliminação da escravidão em todas as suas formas e do fenômeno sombrio das crianças-soldado em conflitos. No que diz respeito ao trabalho infantil, a meta é erradicá-lo até 2025.

Servidão por dívida

A forma de exploração mais encontrada no país é a da servidão por dívida. Nela, a pessoa empenha sua própria capacidade de trabalho ou a de pessoas sob sua responsabilidade (como cônjuge, filhos e pais) para saldar uma dívida.

Entretanto, isso acontece sem que o valor do serviço executado seja aplicado no abatimento da conta de forma razoável ou que a duração e a natureza do serviço estejam claramente definidas.

Trabalhadores carregando trem com borracha na ferrovia Madeira-Mamoré por volta de 1910 (Imagem: Museu Paulista da USP); escravidão moderna
Trabalhadores carregando trem com borracha na ferrovia Madeira-Mamoré por volta de 1910 (Imagem: Museu Paulista da USP)

No Brasil, esse sistema foi amplamente utilizado na Amazônia durante o ciclo da borracha, como forma de manter os seringueiros permanentemente endividados.

Algo muito semelhante foi denunciado no início de 2023, em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. Na ocasião, a Polícia Rodoviária Federal resgatou de vinícolas 200 trabalhadores que eram forçados a trabalhar na safra de uva.

Eles sofriam ameaças com armas, choques e espancamentos, enquanto nos alojamentos não havia toalhas, roupas de cama e nem talheres e a comida, que chegava em quentinhas e geralmente estragada, era consumida com as mãos. Tudo isso sob o monitoramento de câmeras.

As jornadas de trabalho passavam de 15h por dia e muitos desses trabalhadores começavam a colheita nas primeiras horas da manhã e voltavam para o alojamento no fim da noite.

banner da plataforma Aprova Total

Escravidão moderna na redação e nos vestibulares

Para desenvolver uma redação sobre escravidão moderna, é importante, entre outras coisas, entender o seu conceito; estabelecer paralelos com o trabalho escravo do período colonial do Brasil; e reforçar a atualidade do assunto com exemplos e dados.

No Brasil, o setor da moda, um dos grandes impulsionadores da economia, reúne uma série de práticas análogas à escravidão e recruta trabalhadoras, em maioria estrangeiras, para confecções ilegais. Isso vem ocorrendo principalmente depois dos anos 1970, com o surgimento do fast fashion.

Costureiras informais ou escravizadas nunca trabalham menos de 14 horas por dia. Boa parte delas dorme nas dependências das oficinas e muitas relatam assédio moral e sexual por parte de contratantes ou chefes. E isso tudo acontece até mesmo em São Paulo, a maior cidade da América Latina - um exemplo que pode reforçar os argumentos da sua redação sobre escravidão moderna.

Agora, veja algumas questões que já apareceram no vestibular.

Exemplo 1

(Enem 2019) O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) realizou 248 ações fiscais e resgatou um total de 1590 trabalhadores da situação análoga à de escravo, em 2014, em todo o país. A análise do enfrentamento do trabalho em condições análogas às de escravo materializa a efetivação de parcerias inéditas no trato da questão, podendo ser referenciadas ações fiscais realizadas com o Ministério da Defesa, Exército Brasileiro, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Disponível em: http://portal.mte.gov.br. Acesso em: 4 fev. 2015 (adaptado).

A estratégia defendida no texto para reduzir o problema social apontado consiste em:

a) articular os órgãos públicos.
b) pressionar o Poder Legislativo.
c) ampliar a emissão das multas.
d) limitar a autonomia das empresas.
e) financiar as pesquisas acadêmicas.

Resposta: [A]
O texto do enunciado aponta a necessidade de articulação na ação de diversos órgãos públicos.

Exemplo 2

(Unesp 2020) “Eu tinha muito medo, estava sozinha, não tinha como não trabalhar. Ela não me deixava amamentar meu filho pela manhã, dizia que eu perderia tempo.” (Dora E. A. Calle)

“Quando eu precisava sair da casa, sempre tinha que pedir a chave. E nessa hora a chave sempre sumia.” (Raul G. P. Mendoza)

“A casa onde eu trabalhava tinha outros 14 bolivianos, que, assim como eu, queriam guardar dinheiro e voltar para nosso país. Mas não é bem assim que acontece.” (Alicia V. Balboa)

(Bárbara Forte. “Tecendo sonhos”.https://noticias.bol.uol.com.br, 09.05.2019. Adaptado.)

Esses depoimentos retratam a realidade vivida por imigrantes bolivianos que trabalharam no setor têxtil da capital paulista. Os depoimentos evidenciam

a) a competitividade da Divisão Internacional do Trabalho.
b) a relação de trabalho análoga à escravidão.
c) o processo de segregação estimulado pela xenofobia.
d) a flexibilização das leis trabalhistas.
e) o descompasso do trabalho formal com as mudanças da globalização.

Resposta: [B]
A descrição presente nos textos revela o cenário de constrangimentos típicos do trabalho análogo à escravidão.

AprovaDocs: webdocumentários do Aprova Total

Toda segunda-feira, os alunos do Aprova Total têm um encontro marcado com uma nova produção que chega na plataforma. Os temas envolvem desde questões sociais, políticas e culturais até discussões sobre a natureza e o universo.

Nosso principal objetivo é compartilhar conhecimento sobre assuntos relevantes para as provas do vestibular, em especial a de redação.

No canal do Aprova no YouTube, também é possível assistir gratuitamente aos EP 1 e 2 do AprovaDocs. Os temas são Consequências do Uso Excessivo de Plástico Arquitetura Hostil.

Para conferir os próximos webdocumentários, assine a plataforma e garanta ainda todo apoio para conquistar sua tão sonhada vaga no vestibular. Esperamos você!

* Colaborou neste artigo Víctor Daltoé dos Anjos, professor de Atualidades do Aprova Total. Bacharel e licenciado em Geografia pela UFSC e mestre em Ciência Política pela mesma instituição.

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Carol Firmino

Jornalista, mestra e doutora em Comunicação pela Unesp. É editora no blog do Aprova Total e está sempre antenada ao universo da educação, com foco no Enem e na preparação para os grandes vestibulares do país. Tem passagens por veículos como Nova Escola, B9, UOL e Época Negócios.

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Jornalista, mestra e doutora em Comunicação pela Unesp. É editora no blog do Aprova Total e está sempre antenada ao universo da educação, com foco no Enem e na preparação para os grandes vestibulares do país. Tem passagens por veículos como Nova Escola, B9, UOL e Época Negócios.

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