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Arquitetura hostil como ferramenta de repressão: entenda o conceito

Esse termo foi empregado pela primeira vez em 2014 por um repórter do The Guardian. No webdocumentário do Aprova, você por que é importante refletir sobre o tema

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O que é arquitetura hostil e por que ela funciona como ferramenta de repressão? Para responder a essa pergunta, precisamos voltar às primeiras civilizações!

Historicamente, a arquitetura sempre teve funções sociais bem definidas. Muros defendiam a cidade (ou até impérios, como a Muralha da China) de invasores. Já as praças reuniam comunidades para debates e pronunciamentos (as ágoras gregas são um dos primeiros exemplos). Ou seja, elementos arquitetônicos sempre buscavam atender às necessidades humanas.

Porém, nas últimas décadas, a arquitetura tornou-se uma ferramenta de repressão, deixando a vida humana em último plano. Prova disso é que, em 2022, aproximadamente 15 mil indivíduos morreram de calor na Europa. Esse número poderia ter sido 1/3 menor, se houvesse mais área verde nas cidades.

Espaços bem planejados devem garantir a todos o direito à cidade, que é um compromisso ético e político na defesa de um bem comum essencial: vida plena e digna em oposição à mercantilização dos territórios, da natureza e das pessoas.

O que é arquitetura hostil?

O termo "arquitetura hostil" foi empregado pela primeira vez em 2014, por um repórter do The Guardian chamado Ben Quinn. Na reportagem, o jornalista chamou atenção para elementos "anti-desabrigados" que passaram a fazer parte do cenário de Londres, capital da Inglaterra e do Reino Unido.

É importante explicar que os elementos arquitetônicos sempre estiveram ligados às necessidades de um grupo social ou de uma liderança. A eficiência em propósitos tão nobres, como a segurança de um grupo, acabou sendo, também, o que levou a arquitetura a servir como ferramenta de repressão.

Exemplos de arquitetura hostil

Nesse contexto, ligada às estratégias de design urbano, a arquitetura hostil utiliza artefatos para restringir e dificultar o acesso de pessoas a lugares públicos, principalmente as que estão em situação de rua.

Itens como grades e arames farpados, que antes tinham o objetivo de proteger um local, trazem à paisagem um ar de agressividade. Pedras pontiagudas embaixo de viadutos, construções sem marquises ou com gotejamento de água programado são todas maneiras planejadas para afastar pessoas.

A emergência desse “estilo de arquitetura” data da década de 1990, com desenhos urbanos que sugerem, segundo o historiador Iain Borden, que se você não trabalha ou não consome, não deve fazer parte da cidade.

Bom, tudo isso acaba influenciando no modo como os indivíduos convivem no ambiente urbano.

A arquitetura hostil abrange as barreiras e desenhos urbanos que parecem dizer “não se sinta em casa!” - elementos pontiagudos
A arquitetura hostil abrange as barreiras e desenhos urbanos que parecem dizer “não se sinta em casa!” (Imagem: Adobe Stock)

Segundo uma pesquisadora da Universidade da Califórnia, Caitlin Carey, emprega-se o design hostil para “manipular o comportamento humano" e desencorajar atitudes indesejadas. A maioria dessas ações, no entanto, está associada a pessoas que moram na rua e envolvem atos como dormir, deitar ou descansar.

No entanto, os obstáculos arquitetônicos não se limitam às ruas. Aeroportos e shopping centers contam com bancos segmentados, para evitar que transeuntes cansados se deitem, e assentos desconfortáveis, para que ninguém fique sentado por muito tempo sem consumir ou circular.

A exclusão arquitetural impõem um modo de discriminação e segregação dos indivíduos nos espaços urbanos, a exemplo do Morro Santa Marta, no Rio de Janeiro, que foi a primeira comunidade cercada por muros construídos pelo Estado.

Neste segundo episódio do AprovaDocs, mostramos o que tem acontecido nos grandes centros e debatemos sobre problemas da arquitetura hostil na atualidade. Assista 👇

Como resolver o problema da arquitetura hostil?

A instalação dos elementos hostis à vivência coletiva busca atender ao desejo por segurança e diminuir
o risco de ações violentas. Mas, como defende o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), Pedro da Luz Moreira, o efeito tende a ser o oposto, à medida que a arquitetura hostil afasta pessoas, deixando áreas desertas, a sensação de insegurança urbana aumenta.

As cidades devem ser projetadas para acolher pessoas, de modo que os cidadãos se acostumem com a presença do outro. Quando a cidade passa a não ser amistosa, perde seu sentido, grupos passam a não ser bem-vindos e, em vez de políticas públicas para resolver problemas, surgem métodos violentos de convivência.

Na contramão da arquitetura hostil, está a proposta defendida pelo arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl, de um planejamento urbano humanizado. Há mais de 50 anos, ele investiga os impactos negativos do modernismo nos municípios e atua para provar que é possível construir locais melhores.

O contrário da “arquitetura hostil” é a arquitetura que proporciona boa qualidade de vida, e quando uma
cidade é hostil, é porque não se pensa nas pessoas. Por isso, espaços urbanos devem ser projetados para a convivência e a acessibilidade, pois é nesses espaços que a população constrói e exerce seu direito
à cidadania.

Aporofobia e Lei padre Júlio Lancelloti

Elementos hostis na arquitetura são sinais de aporofobia, que é a aversão aos pobres revelada, entre outras formas, pelos obstáculos impostos para afastar quem vive nas ruas da própria cidade, deixando essas pessoas cada vez mais marginalizadas.

A escritora e filósofa espanhola Adela Cortina criou o termo para designar a aversão aos pobres e suas implicações na democracia. “É um neologismo que remete etimologicamente às palavras gregas áporos (pobre,desvalido) e phobos (medo, aversão)”, descreve a professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Ana Elisa Bechara.

Um grande apoiador da luta contra a aporofobia é o padre Júlio Lancelloti, que dá nome à lei N. 14.489, promulgada em 21 de dezembro de 2022. Ela proíbe a utilização de elementos hostis em lugares públicos no Brasil. Desde então, é proibido instalar pedras, pinos, estacas, grades e dispositivos que servem para impedir que pessoas se abriguem em estruturas, como pontes, viadutos e praças.

Padre Júlio é coordenador da Pastoral do Povo de Rua e, desde 1986, promove trabalhos sociais voltados principalmente para a população de rua na cidade de São Paulo.

padre júlio lancelloti aporofobia
Padre Júlio quebra a marretadas pedras instaladas pela Prefeitura sob viadutos de São Paulo (Reprodução)

Em 2021, uma postagem do padre Júlio viralizou nas redes sociais, com fotos e vídeos dele removendo, a marretadas, pedras instaladas pela Prefeitura de São Paulo sob um viaduto na cidade, para evitar que pessoas se abrigassem no local.

Essa postagem trouxe à tona a urgência da discussão sobre a arquitetura hostil, como uma grande questão das cidades atualmente.

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Gabriel Brito de Souza

Colaborador no Aprova Total e jornalista em formação pela Unesp-Bauru, Gabriel traz um olhar mais próximo de quem está vivenciando a primeira graduação. Com sua linguagem típica da geração Z, aproveita suas vivências como estudante para mostrar a importância da preparação para o Enem e vestibulares.

Ver mais artigos de Gabriel Brito de Souza >

Colaborador no Aprova Total e jornalista em formação pela Unesp-Bauru, Gabriel traz um olhar mais próximo de quem está vivenciando a primeira graduação. Com sua linguagem típica da geração Z, aproveita suas vivências como estudante para mostrar a importância da preparação para o Enem e vestibulares.

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