Ciências Humanas Filosofia e Sociologia

Entenda a história e o conceito de cidadania no Brasil

Explicamos o que são direitos civis, políticos e sociais, como eles foram estabelecidos em território nacional e de que maneira Enem e vestibulares abordam o tema

Acessibilidade

A ideia de cidadania se relaciona ao surgimento do Estado moderno e implica no reconhecimento dos indivíduos de serem membros e pertencerem a uma comunidade. Assim, há garantia de direitos civis, sociais e políticos que asseguram e possibilitam uma vida plena. É a partir desse pensamento que vamos nos aprofundar na construção da cidadania no Brasil, seu histórico e seus desafios.

Mas, antes, é hora de conhecer como esses direitos se estabeleceram e foram pensados.

Direitos civis, políticos e sociais

A análise sobre os direitos que compõem a compreensão de cidadania foi realizada na década de 1960 pelo sociólogo britânico T. H. Marshall, em sua obra intitulada Cidadania, classe social e status. Para o autor, a noção de cidadania começou a ser construída na Inglaterra no século 18 e teve uma ampliação progressiva durante os anos seguintes.   

Características históricas desse período, tais como a busca pela garantia da liberdade religiosa, o direito à propriedade e o direito de ir e vir, formulou-se o que, posteriormente, Marshall denominaria de direitos civis. Os direitos civis compreendem o exercício da liberdade individual do cidadão, como o de dizer o que pensa e o de acreditar (ou não acreditar) na religião que desejar.

A consolidação dos direitos políticos vincula-se à formação do Estado democrático e representativo, sendo reivindicados pela população europeia a partir do século 19. Os direitos políticos são aqueles que promovem a participação ativa do cidadão em relação ao poder político, como o direito ao voto, de se organizar politicamente e de ser eleito para cargos políticos.

Já os direitos sociais começam a ser pleiteados no século 20, a partir da exigência da população pelo mínimo de bem-estar social e econômico, possibilitando uma vida digna. Alguns exemplos de direitos sociais são: direito à educação, à saúde, à aposentadoria etc.

No contexto brasileiro, entretanto, a consolidação dos três direitos se deu tardiamente, em comparação ao desenvolvimento na Inglaterra, e numa ordem diferente à analisada na Europa.

História da cidadania no Brasil

O desenvolvimento da cidadania, enquanto um fenômeno histórico, acompanha o desenvolvimento do Estado. Nesse sentido, os direitos de cidadania estão sujeitos às características culturais, sociais e políticas de cada país. No caso do Brasil, houve uma verdadeira corrida de obstáculos na implementação não só dos direitos, mas também da própria noção de cidadania.

Neste tópico, vamos entender como a garantia de acesso à cidadania no Brasil se deu em três diferentes períodos históricos - durante a colonização, o Império e a República.

Cidadania no Brasil colônia

É difícil falar de acesso a direitos de cidadania durante o período da história brasileira marcado pela escravidão da população negra e indígena. Durante mais de três séculos, negou-se a uma parcela significativa da colônia direitos civis básicos, como igualdade, liberdade, integridade física e, em muitos casos, a própria vida. 

Escravidão no Brasil, quadro de Jean-Baptiste Debret.
Escravidão no Brasil, de Jean-Baptiste Debret (Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons)

Na ausência de um poder público eficiente, visto que a responsabilidade de administrar as funções do Estado estava nas mãos dos grandes proprietários de terra e da Igreja, no Brasil, não havia um Estado garantidor de acesso à cidadania.

Assim, grande parte da população estava desassistida em seus direitos civis. Dada essa contextualização, é possível compreender que não houve efetivamente cidadania no Brasil colonial.

Cidadania no Império

Após a separação de Portugal em 1822, poucos foram os avanços em relação ao acesso à cidadania. Sem ampla mobilização da população residente no Brasil, a independência brasileira ficou marcada pela negociação entre a coroa portuguesa, a elite nacional e a Inglaterra.

Isso foi decisivo para as tímidas mudanças em relação ao período colonial, a começar pelo regime de escravidão, que não teve fim com a Constituição de 1824, a primeira do Brasil. Ou seja, os direitos civis continuaram negados para grande parcela da população.

Imagem da folha de rosto do projeto da Constituição de 1824 - cidadania no Brasil
Imagem da folha de rosto do projeto da Constituição de 1824 (Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons)

Em relação aos direitos políticos, a Constituição de 1824 trouxe à luz algumas novidades, como a ampliação do direito ao voto para todos os homens de 25 anos ou mais (e com independência econômica a partir de 21 anos) que possuíssem renda mínima de 100 mil réus anuais, incluindo os analfabetos.

Entretanto, tais avanços no campo dos direitos políticos se deu apenas nas linhas da Constituição. Na prática, o que se via eram fraudes (como a compra de votos) e o uso da violência por agentes dos grandes proprietários para que as pessoas votassem conforme interesses da elite.

👉 Leia também:

Escravidão moderna: dados e argumentos para a sua redação

História: como é a graduação e o mercado de trabalho

Cidadania no Brasil Republicano

A proclamação da República aconteceu em 1889. Um ano antes, porém, a abolição da escravatura foi instituída, apesar de não consolidar direitos sociais. Ou seja, sem a reinserção de negros e indígenas escravizados na sociedade, após um longo período de privações e exploração.

Depois de mais de três séculos de escravidão - sem educação formal ou renda para adquirir terras e imersos em uma sociedade estruturada no racismo -, muitos escravos libertos se viram sem oportunidades e precisaram retornar para as fazendas por uma remuneração irrisória.

A abolição foi consequência do avanço do capitalismo internacional que exigia a consolidação do trabalho remunerado para promover uma rede de consumo entre os próprios trabalhadores.   

Direitos políticos durante a República

Na Constituição de 1891, os direitos políticos retrocederam em relação à anterior, proibindo o voto aos analfabetos e tornando-o facultativo. Esse período ficou marcado pelo que se conhece por “coronelismo”, o que representa o controle dos grandes proprietários rurais sobre os votos e, consequentemente, o acesso deles aos cargos públicos.

É importante mencionar que o momento também ficou marcado pela República Oligárquica, caracterizada pela sucessão de domínio político entre as oligarquias ligadas à produção de café em Minas Gerais e São Paulo.

Na década de 1930, algumas mudanças significativas começaram a ocorrer no campo da política nacional. Com Getúlio Vargas no poder, implementou-se no Brasil diversas reformas que envolviam os direitos sociais.

Nesse sentido, o acesso à cidadania aconteceu de maneira oposta ao cenário analisado na Inglaterra por T. H. Marshall: os direitos sociais fora os primeiros a se consolidar, com a composição das primeiras legislações trabalhistas no país. Isso fez de Vargas um dos presidentes mais populares do Brasil, resultando no apelido “pai dos pobres”.

Momento da posse de Getúlio Vargas, em 1930
Momento da posse de Getúlio Vargas, em 1930 (Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons)

Com a Constituição de 1934, houve ainda a introdução do voto secreto, a criação da Justiça Eleitoral e o sufrágio feminino. No entanto, 1937 marca o fechamento do Congresso e o golpe de Estado promovido por Vargas, com um grande ataque aos direitos políticos e civis da população brasileira.

Democracia, cidadania e Constituição Cidadã

As experiências democráticas no país se dividem em dois períodos:

  • em 1945, com a queda de Getúlio Vargas, até 1964, com a instauração do golpe militar (com a promoção de direitos sociais enquanto cerceava os direitos civis e políticos);
  • em 1985, com o fim do regime militar, até o tempo presente.

Ou seja, a democracia brasileira ainda é nova. Com o fim da ditadura militar, houve a promulgação da Carta Magna de 1988, que teve ampla participação popular na sua construção. Por isso, consideramos este um marco democrático para o país, na qual a centralidade está na garantia do acesso a todos os direitos de cidadania.

Promulgação da Constituição de 1988 - cidadania no Brasil
Promulgação da Constituição de 1988 (Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons)

Completando 35 anos em outubro de 2023, a Constituição Cidadã preocupou-se em garantir a universalização do direito ao voto no campo dos direitos políticos; a criar o Sistema Único de Saúde (SUS) no campo dos direitos sociais; e a definir o racismo como crime inafiançável e imprescritível no campo dos direitos civis, além de outras mudanças que contaram com o engajamento das pessoas.

Importância e desafios da cidadania no Brasil contemporâneo

A cidadania desempenha um papel fundamental no Brasil contemporâneo, pois envolve direitos e responsabilidades dos cidadãos no Estado Democrático de Direito, cuja divisão se dá entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Sobre a sua importância, cabe destacar:

  • exercício de direitos
    permite que os cidadãos desfrutem de seus direitos civis, políticos e sociais.
  • participação democrática
    essencial para participar ativamente na política e na tomada de decisões.
  • proteção legal
    garante proteção contra abusos e promove a igualdade perante a lei.

Dos desafios, podemos citar:

  • desigualdade social
    profundas disparidades sociais e econômicas limitam o acesso igualitário aos direitos.
  • corrupção
    mina a confiança nas instituições públicas.
  • violência e segurança
    afeta a qualidade de vida.
  • acesso à educação e saúde
    desafios na garantia de serviços de qualidade para todos.
  • exclusão política
    falta de representatividade afeta a participação cidadã.
  • meio ambiente
    degradação ambiental e mudanças climáticas afetam a qualidade de vida.
  • intolerância e discriminação
    elas persistem na sociedade, impedindo o pleno exercício da cidadania no Brasil.

A cidadania desempenha um papel único na construção de uma sociedade mais justa e democrática no Brasil contemporâneo. Por outro lado, enfrenta muitos obstáculos que exigem atenção e ação contínua dos cidadãos, das instituições e dos líderes políticos.

A promoção da igualdade, da justiça social e da participação cidadã são elementos essenciais para superar esses desafios e fortalecer a cidadania no país.

Como a cidadania pode ser cobrada no Enem e nos vestibulares?

Cidadania é um tema importante e que tende a aparecer tanto nas questões quanto na redação.

Em 2021, por exemplo, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) trouxe a proposta "Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil".

O registro civil é fundamental para o reconhecimento legal da identidade de um cidadão. Então, foi possível discutir sua importância para o pleno exercício da cidadania e abordando aspectos como:

  • a garantia de direitos civis e sociais por meio do registro civil (nascimento, casamento e óbito);
  • a influência do registro civil na participação política e no acesso a serviços públicos;
  • os desafios que grupos marginalizados enfrentam e as dificuldades em obter registros civis;
  • o papel das políticas públicas na promoção do registro civil universal.

Além da redação, questões objetivas de Sociologia no Enem podem testar o conhecimento dos candidatos sobre cidadania e legislação, com análise de textos, artigos ou trechos de livros, e ainda a interpretação de documentos históricos, leis ou discursos de figuras públicas.

Exemplo 1

(Enem 2018) O marco inicial das discussões parlamentares em torno do direito do voto feminino são os debates que antecederam a Constituição de 1824, que não trazia qualquer impedimento ao exercício dos direitos políticos por mulheres, mas, por outro lado, também não era explícita quanto à possibilidade desse exercício. Foi somente em 1932, dois anos antes de estabelecido o voto aos 18 anos, que as mulheres obtiveram o direito de votar, o que veio a se concretizar no ano seguinte. Isso ocorreu a partir da aprovação do Código Eleitoral de 1932.

Disponível em: http://tse.jusbrasil.com.br.Acesso em: 14 maio 2018.

Um dos fatores que contribuíram para a efetivação da medida mencionada no texto foi a:

a) superação da cultura patriarcal.   

b) influência de igrejas protestantes.    

c) pressão do governo revolucionário.    

d) fragilidade das oligarquias regionais.    

e) campanha de extensão da cidadania.    

Resposta: [E]
O sufrágio universal, ou seja, o direito de todos participarem do processo político, é resultado não somente da intenção do Estado, mas da atuação dos movimentos sociais e dos grupos organizados da sociedade civil. De fato, no Brasil, já havia um movimento reivindicatório de expansão dos direitos de cidadania, em especial de uma maior inserção das mulheres nesse processo.

Exemplo 2

(Enem PPL 2017) A política de pacificação não resolve todos os problemas da favela carioca, ela é apenas um primeiro e indispensável passo para que seus moradores sejam tratados como cidadãos. As Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) recuperaram um território que estava ocupado por bandidos com armas de guerra, substituíram a opressão de criminosos pela justiça formal do Estado. [Mas] se a UPP não for seguida por escola, hospital, saneamento, defensoria pública, emprego, daqui a pouco a polícia de ocupação terá que ir embora das favelas por inútil. Ou será obrigada a exercer a mesma opressão que o tráfico exercia para se proteger.

CACÁ DIEGUES. A contrapartida do lucro. O Globo, 28 jul. 2012.

Para o autor, a consolidação da cidadania nas comunidades carentes está condicionada à:

a) efetivação de direitos sociais.    

b) continuidade da ação ofensiva.    

c) superação dos conflitos de classe.    

d) interferência de entidades religiosas.    

e) integração das forças de segurança.    

Resposta: [A]
Os problemas de segurança pública não podem, segundo o argumento do texto, se resolverem somente com intervenção polícia. É necessário também que a população tenha acesso aos demais serviços públicos, para terem seus direitos de cidadania respeitados.

Gostou de aprender sobre a cidadania no Brasil? Esse é um tema relevante que pode ser incorporado de várias maneiras nas provas do Enem e vestibulares. Além de testar o conhecimento dos candidatos, as avaliações incentivam a reflexão crítica sobre o papel do cidadão e seu impacto na sociedade brasileira.

banner da plataforma Aprova Total

TEMAS:

avatar
Gabrielle Meireles

Licenciada em Ciências Sociais pela UFSC e colaboradora no blog do Aprova Total.

Ver mais artigos de Gabrielle Meireles >

Licenciada em Ciências Sociais pela UFSC e colaboradora no blog do Aprova Total.

Ver mais artigos de Gabrielle Meireles >

Compartilhe essa publicação:

Veja Também

Assine a newsletter do Aprova Total

Você receberá apenas nossos conteúdos. Não enviaremos spam nem comercializaremos os seus dados.