História

Conheça a história da conquista do voto feminino no Brasil

24 de fevereiro marca a data da conquista do sufrágio feminino no país. Conheça as protagonistas dessa história e suas trajetórias até garantir a participação política

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A luta pelo sufrágio (voto) feminino no mundo tem início ainda no século 19, quando movimentos feministas começaram a buscar a igualdade de direitos em diversos países. No entanto, a luta pelo voto feminino no Brasil só rendeu frutos em 24 de fevereiro de 1932, com a promulgação do Código Eleitoral.

O decreto, feito durante o governo de Getúlio Vargas, permitiu que as brasileiras pudessem votar. Mas o direito era restrito àquelas com curso superior e que exerciam função remunerada. Ou seja, um direito longe de ser universal.

E apesar das conquistas das últimas décadas, as brasileiras ainda buscam participação e representatividade no cenário político até hoje. A seguir, vamos entender como se desenhou a conquista do direito ao voto feminino no Brasil e as figuras mais importantes dessa história. 🗳️

Voto feminino: contextos mundial e brasileiro

A busca pelo direito ao voto feminino é um capítulo significativo na história da luta por igualdade de gênero, marcada por desafios, avanços e conquistas. Tanto no cenário internacional quanto no contexto brasileiro, as mulheres enfrentaram obstáculos para conquistar reconhecimento como participantes da esfera política.

A conquista do voto reflete as lutas de décadas anteriores, no contexto mundial de industrialização, modernização dos costumes e inserção de mulheres no trabalho fabril, o que ocorreu a partir da Primeira Revolução Industrial em meados do século 18.

Inicialmente concentrado em países como Estados Unidos e Reino Unido, o sufrágio feminino tornou-se um movimento global na virada dos séculos 19 para o 20, chegando ao Brasil nessa época.

No cenário internacional, a Primeira Guerra Mundial desempenhou um papel fundamental ao acelerar o processo de reconhecimento dos direitos femininos. A saída de homens em idade de trabalho para os frontes abriu espaço para que mulheres participassem mais da vida pública e desempenhassem papéis essenciais para a economia.

Com o fim da guerra, houve uma campanha para que voltassem ao ambiente doméstico, e a resistência ao voto feminino aumentou consideravelmente. Movimento muito parecido ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial, quando, novamente, as mulheres assumiram os serviços essenciais e o trabalho nas indústrias. O movimento, então, reacendeu o desejo por participar das decisões da sociedade.

Cartaz We Can Do It com mulher mostrando os músculos do branco, vestindo bandana vermelha e camisa jeans
“We can do it”, do inglês “Nós podemos”. Cartaz produzido durante a Segunda Guerra, chamando as mulheres a trabalhar nas indústrias dos Estados Unidos (Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons/J. Howard Miller)

Contexto histórico do voto feminino no Brasil

As brasileiras começaram a se organizar politicamente nos anos finais do século 19. Mas foi somente a partir da década de 1920 que a luta pelo voto feminino ganhou destaque.

O voto feminino foi alcançado durante o governo Vargas, a partir do Código Eleitoral de 1932, mas somente enquanto voto voluntário - e não obrigatório como era para homens com menos de 60 anos. Somente em 1934, o voto feminino apareceu pela primeira vez em uma Constituição brasileira.

Ainda sim, o voto era restrito às mulheres com educação superior e remuneradas. E foi somente em 1946 que as restrições ao grau de instrução foram removidas, ampliando o acesso às urnas.

No contexto histórico, Vargas adotou políticas sociais voltadas para a melhoria das condições de vida dos trabalhadores urbanos e rurais. Além disso, utilizou-se de uma retórica populista, apelando para o nacionalismo e a identificação com as massas. Essa relação de proximidade, embora seja alvo de críticas, facilitou a atuação de sufragistas próximas ao presidente, levando à conquista do voto feminino no Brasil.

A trajetória do sufrágio feminino, contudo, não foi isenta de resistências. Movimentos e lideranças femininas enfrentaram oposição de setores conservadores dentro das instituições políticas. Vamos entender mais profundamente como esse processo aconteceu.

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A luta pelo sufrágio feminino no Brasil

Como mencionado anteriormente, a luta pelo sufrágio feminino no Brasil teve início nas décadas finais do século 19, e se inseriu no contexto do crescimento dos ideais abolicionistas e republicanos. Muitas sufragistas, por exemplo, participaram de outros movimentos, lutando também em prol da abolição da escravidão.

As sufragistas atuaram através de publicações em jornais, de textos e poemas, defendendo o direito político das mulheres enquanto cidadãs. Em 1910, a sufragista Leolinda Daltro registrou em cartório o Partido Republicano Feminino, que atuou como agremiação política, representando o direito das mulheres ao voto em assembleias públicas e em manifestações.

Foto em preto e branco do momento de inauguração da Escola de Ciências e Artes Orsina Fonseca. Na mesa, estão sentados o presidente Hermes da Fonseca, sua esposa e Leolinda Daltro.
Ao centro, o presidente Hermes da Fonseca e sua esposa, na sede do Partido Republicano Feminino em 1911. Ao lado da Primeira Dama, está a ativista e fundadora do partido, Leolinda Daltro (Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons/Jornal O Malho)

Leolinda Daltro também criou a Escola Orsina da Fonseca, voltada para o treinamento de meninas e mulheres em ofícios profissionais, com disciplinas como Princípios da Enfermagem, Datilografia, Português e Matemática.

Em 1918, a bióloga Bertha Lutz uniu-se a outras sufragistas para criar a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, na cidade do Rio de Janeiro. Quatro anos mais tarde, em 1922, a instituição passou por reformas e ganhou o nome de Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), uma importante instituição para a trajetória do movimento feminista brasileiro.

No mesmo ano, a FBPF organizou o Primeiro Congresso Internacional Feminista, no Rio de Janeiro.

Mulheres reunidas no Congresso da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino em 1922. Mulheres sentadas reunidas em plenário falando sobre o voto feminino no Brasil.
Fotografia do Primeiro Congresso Internacional Feminista em 1922 (Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons/Acervo Arquivo Nacional)

Lei Saraiva e o voto feminino no Brasil

Apesar das movimentações no século 20, a discussão sobre o voto feminino no Brasil começou ainda no período Imperial, quando uma reforma do sistema eleitoral passou a ser discutida. Alguns deputados do Partido Liberal, embora minoria, defendiam publicamente a concessão do direito ao voto às mulheres. 

A reforma eleitoral, encabeçada pelo gabinete do deputado pela Bahia, José Antônio Saraiva, tinha o objetivo de aumentar a qualificação dos eleitores, impedindo algumas camadas sociais de participarem das eleições.

A partir dessa lei, títulos acadêmicos seriam reconhecidos como comprovante de qualificação do eleitor. Esses eleitores não precisariam comprovar renda para votar, o que foi mantido para brasileiros que não tivessem diploma.

A Lei Saraiva, como ficou conhecida a reforma eleitoral de 1881, não colocou o voto feminino como possibilidade, mas também não o proibiu. Ou seja, a nova lei abria brechas para a possibilidade do voto de mulheres com diploma.

Com base na Lei Saraiva, a dentista Isabel de Souza Mattos, baiana residente da província do Rio Grande (atual estado do Rio Grande do Sul), se inscreveu e obteve o registro de eleitora no ano de 1887. Três anos mais tarde, já durante o governo republicano, Isabel tentou utilizar seu registro de eleitora pela primeira vez, mas o presidente da Mesa a impediu de votar.

Petição Eleitoral
Diz Auta, por seu doutora. Em dentes sãos e furados, que, como os mais doutorados quer também ser eleitora. É clara a lei regedora do direito a alistamento. Portanto, ao requerimento, que apresenta a suplicante, espera no mesmo instante propício deferimento. Despacho. Nego; o despacho bóto: É permitido à mulher que em tudo meta a colher, menos na urna do voto.
Poema escrito e publicado no jornal A República, sobre o pedido de alistamento eleitoral da dentista Isabel de Souza Mattos (Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons)

Assim, já ao final do Segundo Reinado, os movimentos em prol da abolição, do voto feminino e da República começaram a tomar um espaço considerável na cena pública das principais cidades do país. Ativistas se reuniam em cafés e escreviam em jornais, defendendo as mudanças em que acreditavam.

Momentos importantes para a conquista do direito feminino de votar

A Lei Saraiva e o alistamento eleitoral de Isabel de Souza Mattos foram acontecimentos de grande importância para o direito do voto feminino no Brasil. Mas a trajetória até o sufrágio universal foi longa, e muitos outros eventos importantes aconteceram até essa conquista.

Primeiras eleitoras

A primeira eleitora do Brasil que se tem registro é Celina Guimarães Viana. Ela foi a primeira mulher a votar na cidade de Mossoró, no interior do Rio Grande do Norte em 1928, por influência do marido, entusiasmado pela participação da mulher na política brasileira.

Mas o título deveria pertencer à Júlia Alves Barbosa Cavalcanti, educadora que solicitou seu alistamento eleitoral em novembro de 1927, dias antes da sanção da Lei Estadual nº 660, que permitiu às mulheres o direito de votar e serem votadas no Rio Grande do Norte.

No entanto, o direito não foi de fato exercido. À época, um senador pelo Rio Grande do Norte havia renunciado à cadeira no Senado e, assim, foi necessário convocar novas eleições, que aconteceram em abril de 1928. A princípio, nem o Governo e nem o Judiciário estadual se opuseram à habilitar as mulheres como eleitoras. Assim, muitas se alistaram, como Celina e Júlia.

Inclusive, de acordo com o livro O Voto Feminino no Brasil, da historiadora Teresa Cristina de Novaes Marques, feministas da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino foram até Natal para apoiar as novas eleitoras e sobrevoaram a cidade lançando panfletos sufragistas.

Mas houve dúvidas se os votos dessas mulheres seriam válidos e o assunto retornou ao Senado, que tomou a decisão contrária às sufragistas. Assim, os votos não foram aceitos e o sufrágio feminino ainda demoraria alguns anos para ser oficial em todo o território.

Código Eleitoral de 1932

Em 1930, o gaúcho Getúlio Vargas chegou ao poder e pôs fim ao domínio das oligarquias na política brasileira. Entre 1930 e 1934, Vargas governou o Brasil de forma provisória, sem uma Constituição, mas com indicativos que iria reformular o sistema legislativo e promover eleições para deputados.

Com isso, as sufragistas da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino passaram a se aproximar de Vargas, e em 1931, foram recebidas pelo presidente para discutir a questão do sufrágio feminino. Em 24 de fevereiro de 1932, o novo Código Eleitoral surgiu, promulgando o voto secreto e obrigatório para cidadãos maiores de 21 anos, sem distinção de sexo.

A medida permitiu que mulheres votassem, independente de serem solteiras, viúvas ou casadas. Nas eleições do ano seguinte, sete mulheres se candidataram a cargos no Legislativo brasileiro, incluindo a bióloga Bertha Lutz e a médica Leolinda Daltro.

Também se candidatou Almerinda de Farias Gama, advogada, sindicalista e presidente do Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos do Distrito Federal. Almerinda foi a primeira mulher negra a atuar em um cargo político no Brasil. 

Almerinda Farias Gama datilografando ao lado de Baltazar da Silveira na Assembleia Nacional Constituinte de 1934
Almerinda Farias Gama, advogada, sindicalista e pioneira na presença de mulheres negras na política, e Baltazar da Silveira, durante a eleição de representantes classistas para a Assembleia Nacional Constituinte de 1934 (Imagem: Reprodução/CPDOC/FGV)

O Código Eleitoral de 1932 marcou um momento histórico do Brasil. Porém, o voto feminino ainda não estava garantido por uma Constituição, e a luta das sufragistas continuou.

Constituição de 1934

O cenário político brasileiro mudou, de fato, com a Constituição de 1934. Pela primeira vez, as brasileiras foram reconhecidas como cidadãs plenas em todo o território nacional, com direito não apenas a escolher seus representantes, mas também de serem escolhidas para cargos políticos.

Por ser um direito constitucional, as mulheres não dependeriam mais de vetos de juízes e legisladores de seus estados. O voto feminino passou a ser nacional, mas ainda longe de ser universal.

O sufrágio universal no Brasil foi garantido pela Constituição de 1988, quando analfabetos também se tornaram eleitores.

Principais nomes da conquista do sufrágio feminino no Brasil

A luta pelo sufrágio feminino no Brasil contou com a participação de diversas mulheres que dedicaram suas vidas à causa da igualdade de direitos políticos. Listamos alguns dos principais nomes envolvidos nesse movimento histórico.

Nísia Floresta (1810-1885)

Ilustração de Nísia Floresta

Embora tenha vivido antes do movimento sufragista mais organizado, Nísia foi uma educadora, escritora e defensora dos direitos das mulheres no Brasil no século 19. Seu trabalho pioneiro contribuiu para abrir caminho para futuras gerações de feministas.

(Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons)

Leolinda Daltro (1859-1935)

Leolinda foi uma médica e ativista feminista brasileira. Fundadora da Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, ela liderou a primeira tentativa organizada de conquistar o voto feminino no Brasil na virada do século 19 para o século 20.

(Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons)

Retrato de Leolinda Daltro

Bertha Lutz (1894-1976)

Foto de Bertha Lutz sentada em jardim

Bertha foi uma bióloga, diplomata e feminista brasileira. Ela desempenhou um papel fundamental na conquista do direito ao voto feminino no Brasil, sendo uma das responsáveis pela redação do texto da Constituição de 1934 que garantia esse direito.

(Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons)

Celina Guimarães Viana (1890-1972)

Celina foi a primeira mulher a votar no Brasil, aos 29 anos. Em 1928, ela conseguiu o direito de votar em sua cidade natal, Mossoró, no Rio Grande do Norte.

Ela não é apenas a primeira eleitora do Brasil, mas também da América Latina.

(Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons)

Foto de Celina Guimarães Viana

Essas mulheres, entre outras ativistas, desempenharam papéis cruciais na luta pelo sufrágio feminino no Brasil, enfrentando desafios, resistências e contribuindo para a mudança das leis que excluíam as mulheres do processo político.

Seus esforços foram fundamentais para abrir as portas para a participação das mulheres na vida política brasileira.

A importância da data para a história brasileira

O reconhecimento do voto feminino na Constituição de 1934 não apenas ampliou a representatividade feminina, mas também fortaleceu os alicerces da democracia brasileira.

A partir desse momento histórico, as brasileiras passaram a ter mais destaque, contribuindo com suas vozes, ideias e aspirações para o desenvolvimento do país. No entanto, o cenário político atual está longe de ser igualitário. E essa é uma das principais questões a serem discutidas nessa data.

Apesar de serem mais da metade da população, as brasileiras ocupam apenas 15% das cadeiras da Câmara dos Deputados e 13% dos cargos do Senado. Por esse motivo, o Brasil terminou o ano de 2023 na 133ª posição no ranking de representatividade feminina no Parlamento entre 193 países, segundo o relatório publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela União Interparlamentar (UIP).

O ranking analisa a participação feminina na política, levando em conta fatores como ocupação de cargos mais altos e políticas de cotas.

Atualmente, a Constituição Federal brasileira define que os partidos políticos devem aplicar, no mínimo, 5% do fundo partidário na criação e manutenção de programas para participação política feminina.

Além disso, também devem destinar parcela do fundo partidário às campanhas eleitorais e tempo de propaganda gratuita em rádio e televisão, proporcionalmente ao número de candidatas, com mínimo de 30%. Mas mesmo com essas políticas, o cenário está longe de ser igualitário.

Dessa forma, é um debate pertinente e pode ser tema de redações e questões nos vestibulares. A participação da mulher na política já apareceu no Enem e na Fuvest, e também foi tema de redação da Unioeste no Vestibular de 2023.

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Bárbara Donini

Analista de História no Aprova Total. Licenciada (Udesc) e mestre (UFSC) em História, tem experiência na área de educação, no Ensino Fundamental e em curso pré-vestibular.

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