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Dia do combate à discriminação racial: o que é importante saber

Instituída pela ONU, a data reforça a necessidade de vigilância constante contra uma violência ainda muito comum

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O Dia do Combate à Discriminação Racial é fundamental para compreender os impactos que qualquer forma de distinção, exclusão ou restrição baseada em raça, cor ou origem étnica têm sobre a vida das pessoas.

"Nem sempre a discriminação é algo evidente ou um ato isolado. Ela está presente no dia a dia, como produto de uma construção social e cultural histórica: é o que se chama de racismo estrutural”, explica o Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Assim, a discriminação se perpetua com a reprodução cotidiana de discursos e práticas, mesmo que isso ocorra de forma inconsciente. Por isso - entre outros tantos motivos que vamos entender a seguir -, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o dia 21 de março como o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial.

Nesse artigo, exploraremos o histórico desse dia, o surgimento da discriminação racial, os esforços de combate ao racismo no Brasil e como esse tema aparece no Enem e vestibulares.

Por que existe o Dia do Combate à Discriminação Racial?

A data é importante para relembrar as consequência do racismo. Afinal, o preconceito resulta em dificuldade de acesso à saúde, ao mercado de trabalho e às condições dignas de vida, além de perpetuar desigualdades.

A proibição da discriminação racial está consagrada em todos os principais instrumentos internacionais de Direitos Humanos. Ela impõe obrigações aos Estados e os incumbe de erradicar a discriminação nas esferas pública e privada.

Além disso, o princípio da igualdade, presente em diversas Cartas Magnas, exige que os Estados adotem medidas para eliminar as condições que causam ou ajudam a perpetuar a discriminação racial.

A Constituição Federal de 1988, por exemplo, prevê em seu terceiro artigo: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

Assim, o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, serve para alertar e cobrar os países sobre os esforços para eliminar a discriminação racial.

Contexto do Dia do Combate à Discriminação Racial

A ONU instituiu a data em memória ao massacre de milhares de pessoas negras ocorrido no bairro de Sharpeville, na cidade de Johanesburgo, na África do Sul, em 21 de março de 1960.

Esses cidadãos protestavam contra a “lei do passe”, que privava os negros da liberdade de circulação no interior da grande metrópole. Na ocasião, tropas do exército atacaram a manifestação pacífica, matando 69 pessoas e ferindo outras 186.

Pessoas negras correndo durante o massacre de Sharpeville na África do Sul
Multidões de pessoas correndo em meio ao tiroteio em Sharpeville (Imagem: Reprodução/Baileys African History Archive)

O Massacre de Sharpeville define o que era a África do Sul do Apartheid, um sistema de segregação racial instituído em 1948, que só chegou ao fim em 1994, com a eleição de Nelson Mandela à presidência.

Mas anterior ao regime sul africano, outros declarações abordaram a discriminação racial. É o caso da Carta das Nações Unidas, de 1945, após a Segunda Guerra Mundial e em meio à derrota da Alemanha Nazista. Em seu texto, o documento estimulava e promovia "o respeito aos Direitos Humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião".

O mesmo tom aparece na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Ambos os documentos refletem o trauma recente do genocídio praticado pelos nazista contra judeus, ciganos, negros, deficientes físicos e mentais, em busca da "pureza racial”.

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Como surgiu a discriminação racial?

A base da discriminação racial é a falsa ideia de que a humanidade se divide em raças. As primeiras classificações raciais emergiram no final do século 18, moldadas pelo eurocentrismo e com base em supostas evidências de características físicas e hereditárias.

O médico alemão Johann Blumenbach (1752-1840) formulou a divisão entre os “brancos” (europeus), “amarelos” (leste-asiáticos), “negros” (africanos), “vermelhos” (ameríndios) e “marrons” (malaios).

A ideologia logo desembarcou no Brasil. Arthur de Gobineau (1816-1882), aristocrata e diplomata francês que serviu no país sul-americano entre 1869 e 1970, foi entusiasta da ideia de “pureza racial”.

Crítico ferrenho da miscigenação, o pensamento de Gobineau influenciou Dom Pedro II, que apostou num processo de embranquecimento da população brasileira através da atração de imigrantes europeus.

Teorias pseudocientíficas e a ideia de hierarquia racial

Na segunda metade do século 19, discípulos de Charles Darwin (1809-1882) desviaram suas ideias no sentido de uma hierarquia entre raças mais ou menos evoluídas.

Assim, o britânico Francis Galton (1822-1911) formulou o conceito de “eugenia”, facilmente manipulável em nome da ideia “pureza racial” nas décadas seguintes, inclusive como mote central do discurso da Alemanha Nazista (1933-1945).

Da segregação racial ao racismo institucional

A escravidão deixou um legado profundo de segregação racial em todo o mundo. Durante séculos, o sistema escravista explorou pessoas com base em sua raça e estabeleceu uma hierarquia baseada na cor da pele. Mesmo após a abolição, estruturas de poder e ideologias racistas persistiram.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a escravidão foi abolida durante a Guerra Civil Americana (1861-1865). Contudo, uma legislação de segregação racial emergiu nos estados do sul ao final do século 19, as chamadas “leis Jim Crow”.

A luta de diversas gerações contra o racismo culminou, então, na ascensão de Martin Luther King (1929-1968) e no fim das leis racistas na década de 1960.

Martin Luther King Jr fazendo seu discurso I Have a Dream ou Eu Tenho um Sonho para milhares de pessoas
Martin Luther King Jr. após proferir seu famoso discurso "Eu tenho um sonho", em 1963 (Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons/National Park Service)

Porém, assim como no Brasil, o racismo continuou bastante presente nas instituições norte-americanas. Um dos exemplos mais disseminados é a violência policial cometida contra a população negra no país.

Em maio de 2020, o assassinato de George Floyd, em Minneapolis, serviu como estopim de uma onda de manifestações contra o racismo que se espalhou pelos Estados Unidos e chegou ao restante do mundo.

Combate ao racismo no Brasil

No Brasil, o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial é comemorado em 3 de julho, referindo-se à aprovação da chamada “Lei Afonso Arinos”, em 1951. Foi a primeira legislação a proibir a discriminação racial no país.

A atual Constituição Brasileira, de 1988, afirma, no seu artigo 5º, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, reforçando no inciso XLII que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão”.

O “repúdio ao terrorismo e ao racismo” consta como um dos pilares da posição do Brasil no direito internacional, segundo a Constituição Federal. No entanto, o governo brasileiro tem reforçado a punição para a discriminação racial.

A Lei 14.532, de janeiro de 2023, tipifica a injúria racial – direcionada a um indivíduo – ao racismo, em geral entendido como um crime contra a coletividade. A pena passou de 1 a 3 anos para 2 a 5 anos de reclusão.

A Lei 14.532 também inclui a liberdade religiosa no bojo da punição maior à injúria racial. Isso é importante pois, no Brasil, uma das manifestações mais comuns do racismo se dá na perseguição às religiões de matriz afro-brasileira, como o candomblé e a umbanda.

Além disso, a lei prevê pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística.

Expressões com viés racista

A discriminação racial é muitas vezes percebida em ações, mas também está presente na linguagem, em termos que usamos no cotidiano.

A cartilha Expressões Racistas: por que evitá-las, elaborada pela Comissão de Promoção de Igualdade Racial do Tribunal Superior Eleitoral em 2022, apresenta termos e expressões racistas que devem ser evitados no vocabulário dos brasileiros. Conheça alguns:

  • "A coisa está preta": relaciona “preto” a uma situação desconfortável, desagradável ou difícil;
  • Cabelo ruim: ou semelhantes como “cabelo duro”, “carapinha”, “mafuá”, “piaçava” depreciam o cabelo afro;
  • Cor do pecado: termo associado ao imaginário da mulher negra sexualizada;
  • Denegrir: sinônimo de difamar, cujo significado é “tornar negro”, com tom maldoso e ofensivo;
  • Mercado negro, magia negra, lista negra e ovelha negra: a palavra "negro" representa algo pejorativo, prejudicial ou ilegal;
  • “Não sou tuas negas”: indica a forma como a sociedade enxerga a mulher negra, alguém com quem se pode fazer tudo. A origem vem da escravidão, em que as mulheres eram tratadas como propriedade e utilizadas para satisfazer necessidades sexuais;
  • Ter um pé na cozinha: forma racista de falar de uma pessoa com origem negra. Isso porque, na escravidão, escravas ocupavam a cozinha da casa grande;
  • “Serviço de preto”: representa uma tarefa mal feita, em uma associação racista ao trabalho realizado pelo negro.

Como o combate à discriminação racial pode aparecer nos vestibulares?

As questões de vestibular que envolvem a temática da discriminação racial costumam focar na preservação da cultura de matriz afro-brasileira e os pontos de vista dos movimentos negros no Brasil ao longo da histórica.

Além disso, discorrem sobre as mais diversas formas pelas quais o racismo se manifesta, além de apontar a incompletude da realidade de “democracia racial” defendida por diversos atores políticos na história nacional do último século.

Exemplo 1

(Enem 2016) O Movimento Negro Unificado (MNU) distingue-se do Teatro Experimental do Negro (TEN) por sua crítica ao discurso nacional hegemônico. Isto é, enquanto o TEN defende a plena integração simbólica dos negros na identidade nacional “híbrida”, o MNU condena qualquer tipo de assimilação, fazendo do combate à ideologia da democracia racial uma das suas principais bandeiras de luta, visto que, aos olhos desse movimento, a igualdade formal assegurada pela lei entre negros e brancos e a difusão do mito de que a sociedade brasileira não é racista teriam servido para sustentar, ideologicamente, a opressão racial.

COSTA, S. Dois Atlânticos: teoria social, antirracismo, cosmopolitismo. Belo Horizonte: UFMG, 2006
(adaptado).

No texto, são comparadas duas organizações do movimento negro brasileiro, criadas em diferentes contextos históricos: o TEN, em 1944, e o MNU, em 1978. Ao assumir uma postura divergente da do TEN, o MNU pretendia

a) pressionar o governo brasileiro a decretar a igualdade racial.

b) denunciar a permanência do racismo nas relações sociais.

c) contestar a necessidade da igualdade entre negros e brancos.

d) defender a assimilação do negro por meios não democráticos.

e) divulgar a ideia da miscigenação como marca da nacionalidade.

Resposta: [B]
A bandeira do MNU (Movimento Negro Unificado) indicava que o racismo continuava persistente na sociedade brasileira mesmo com a igualdade formal perante a lei.
As alternativas incorretas são: A, pois a realidade da igualdade formal perante a lei já era uma realidade dada, o que torna incorreta também a alternativa C; a D está incorreta, pois o MNU era contra a assimilação da população negra e criticava o mito da democracia racial como rótulo para mascarar o racismo, segundo o texto, tornando incorreta também a alternativa E.

Exemplo 2

(Enem 2015) A população negra teve que enfrentar sozinha o desafio da ascensão social, e frequentemente procurou fazê-lo por rotas originais, como o esporte, a música e a dança. Esporte, sobretudo o futebol, música, sobretudo o samba, e dança, sobretudo o carnaval, foram os principais canais de ascensão social dos negros até recentemente. A libertação dos escravos não trouxe consigo a igualdade efetiva. Essa igualdade era afirmada nas leis, mas negada na prática. Ainda hoje, apesar das leis, aos privilégios e arrogâncias de poucos correspondem o desfavorecimento e a humilhação de muitos.

CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006
(adaptado).

Em relação ao argumento de que no Brasil existe uma democracia racial, o autor demonstra que:

a) essa ideologia equipara a nação a outros países modernos.

b) esse modelo de democracia foi possibilitado pela miscigenação.

c) essa peculiaridade nacional garantiu mobilidade social aos negros.

d) esse mito camuflou formas de exclusão em relação aos afrodescendentes.

e) essa dinâmica política depende da participação ativa de todas as etnias.

Resposta: [D]
A ideia da democracia racial serviu, segundo o autor, para camuflar formas de discriminação.
As alternativas incorretas são: A, pois o autor trata de um processo restrito ao Brasil, diferente de como a modernidade se estabeleceu em outras nações; B, porque a miscigenação não impediu a manutenção de formas de discriminação e exclusão; C, pois o autor aborda obstáculos da realidade e história nacionais para a mobilidade da população negra; E, já que as práticas descritas pelo autor ressaltam um processo de exclusão.

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Víctor Daltoé dos Anjos

Professor de Atualidades do Aprova Total. Bacharel e licenciado em Geografia pela UFSC e mestre em Ciência Política pela mesma instituição.

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