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Conheça as obras literárias e a biografia de Clarice Lispector

Textos da autora aparecem com frequência nos vestibulares brasileiros. Entenda as características de sua produção literária e veja resumos das principais obras

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Você com certeza já se deparou com diversas frases de efeito cuja autoria foi atribuída à grandiosa Clarice Lispector, não é? Entretanto, muitas delas não pertencem à autora, mas você vai descobrir várias outras (e até melhores) que ela, de fato, escreveu.

Nesta publicação, vamos explorar os aspectos fundamentais da trajetória dessa renomada escritora, desde sua biografia até as características marcantes de suas obras. Vamos lá? 📖

Foto de Clarice Lispector sentada olhando para a câmera com balão de pensamento dizendo "Não falei nada disso...?"
(Imagem: Reprodução/Acervo Arquivo Nacional)

Biografia de Clarice Lispector

Clarice Lispector (ou Haia Lispector) nasceu em 1920, na Ucrânia, e emigrou para o Brasil ainda na infância. Em 1940, ingressou no jornalismo, atuando como redatora e repórter da Agência Nacional, onde conviveu com grandes nomes da área.

Começou a namorar o futuro diplomata Maury Gurgel Valente em 1942, com quem mais tarde se casou e teve dois filhos: Pedro e Paulo.

Em 1943, publicou seu primeiro romance: Perto do Coração Selvagem. O sucesso recebeu o prêmio Graça Aranha de melhor romance do ano. Mais tarde, em 1960, publicou seu renomado livro de contos Laços de família, pelo qual recebeu o prêmio Jabuti, o mais tradicional prêmio literário brasileiro.

Pouco tempo depois, em 1966, a autora adormeceu com um cigarro aceso e um incêndio tomou conta de sua casa, causando queimaduras graves pelo seu corpo e sequelas na sua mão direita. Ela ficou hospitalizada por cerca de dois meses e as cicatrizes fizeram com que entrasse em uma forte depressão.

Entretanto, apesar da saúde mental abalada, publicou seu primeiro livro infantil, O mistério do coelho pensante (1967) e, com ele, ganhou o prêmio de melhor do ano deste gênero, concedido pela Campanha Nacional da Criança.

Em 1977, concedeu sua famosa entrevista (e seu único registro audiovisual) ao programa Panorama, da TV Cultura. No mesmo ano, faleceu vítima de um câncer de ovário, um dia antes de completar 57 anos. Ao se despedir, disse à enfermeira: “Morre meu personagem!”.

Foto de Clarice Lispector durante entrevista no programa "Panorama Especial", em 1977.
Clarice Lispector no programa Panorama em 1977 (Imagem: Reprodução/TV Cultura)

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Obras de Clarice Lispector

Ao longo dos anos, Clarice se destacou por suas contribuições literárias e sua personalidade intrigante e profunda. Ela foi uma autora muito versátil e explorou diversos gêneros narrativos, como romances, contos, crônicas e até literatura infantil. Veja os principais.

Romances

Lispector é autora de romances que transcenderam gerações. Suas obras exploraram a complexidade da condição humana e desafiaram as convenções literárias.

  • Perto do Coração Selvagem (1943)
  • O lustre (1946)
  • A cidade sitiada (1948)
  • A maçã no escuro (1961)
  • A paixão segundo G.H. (1964)
  • Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres (1969)
  • Água viva (1973)
  • A hora da estrela (1977)
  • Um sopro de vida (1978)

Contos

A habilidade de Lispector em contar histórias curtas é evidente em seus contos. Os principais são:

  • Alguns contos (1952)
  • Laços de família (1960)
  • A legião estrangeira (1964)
  • Felicidade clandestina (1971)
  • A via crucis do corpo (1974)
  • Onde estivestes de noite (1974)
  • A bela e a fera (1979)

Literatura Infantil

Além de suas obras para adultos, Clarice Lispector também deixou sua marca na literatura infantil.

  • O mistério do coelho pensante (1967)
  • A mulher que matou os peixes (1968)
  • A vida íntima de Laura (1974)
  • Quase de verdade (1978)
  • Como nasceram as estrelas (1987)

Crônicas

As crônicas de Clarice Lispector revelam sua perspicácia e sensibilidade em observar o cotidiano. São reflexões profundas sobre a vida, amor e existência, muitas das quais foram publicadas em jornais e revistas ao longo de sua carreira.

  • Para não esquecer (1978)
  • A descoberta do mundo (1984)

Extras: Cartas de Clarice Lispector

Além de escrever suas obras literárias, Clarice também se comunicava por cartas com outros escritores. Por muito tempo, a autora viveu fora do Brasil e era por meio delas que falava sobre suas aflições e a vida nas cidades onde morou.

Assim, as cartas de Clarice Lispector proporcionam um vislumbre singular da mente da autora. São registros que ampliam a compreensão sobre sua vida e seu processo criativo. Todas as suas cartas foram reunidas e publicadas em 2020, no livro Todas as Cartas. Confira um trecho de uma correspondência com Fernando Sabino, seu amigo de longa data:

“Berna é linda e calma, a vida cara e a gente feia; com a falta de carne, com o peixe, queijo, leite, gente neutra, termino mesmo dando um grito. Falta um demônio na cidade. Não trabalho mais, Fernando. Passo os dias procurando enganar a minha angústia e procurando não fazer honrar a mim mesma”

Principais características das obras de Clarice Lispector

As produções literárias da autora retratam situações do cotidiano, mas a partir de uma visão subjetiva e profunda, explorando os sentimentos e impressões dos personagens. Entre as principais características das obras de Clarice Lispector, temos:

  • prosa poética e introspectiva;
  • exploração profunda da psique humana;
  • quebra de convenções literárias;
  • foco na subjetividade e na experiência feminina;
  • monólogo interior e fluxo de consciência;
  • reflexões existenciais e epifanias;
  • retrato do cotidiano.

A que escola literária pertence Clarice Lispector?

Clarice pertence à Terceira Geração Modernista, conhecida como Geração de 45. Trata-se de um período em que já havia traços da literatura contemporânea. Portanto, também é chamado de fase pós-moderna. Foi uma geração preocupada com o experimentalismo literário, com a forma e com temáticas mais intimistas, além do urbanismo e regionalismo.

Uma das maiores marcas da autora nesse período foi a ruptura com a estrutura convencional do texto através do fluxo de consciência. A preocupação de Clarice não era narrar os fatos em si, mas a forma como os acontecimentos mobilizavam os personagens: como se sentiam, suas angústias, pensamentos e reflexões.

Outros grandes autores que fizeram parte da mesma geração foram João Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Lygia Fagundes Telles e Ariano Suassuna.

O início da Terceira Geração Modernista é marcado pelo fim da Segunda Guerra Mundial e pelo fim da ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, ambos em 1945.

Resumo das principais obras de Clarice Lispector

A seguir, vamos ver os resumos das principais obras da autora, que podem aparecer nos mais diversos vestibulares do país e no Enem. Confira!

Perto do Coração Selvagem (1943)

Romance de estreia de Clarice Lispector, retrata a vida de Joana, alternando entre infância e vida adulta através de fluxos de consciência. Órfã, ela enfrenta a hipocrisia da família dos tios e é enviada para um colégio interno após roubar um livro.

Além disso, Joana vive alguns relacionamentos marcados por reflexões intensas. Após se separar de Otávio, seu marido, ela embarca em uma jornada de autoconhecimento. A narrativa sugere que, ao embarcar em uma viagem solitária, Joana busca resgatar a si mesma.

Laços de Família (1960)

Laços de Família é uma coleção de contos que trata das dinâmicas e complexidades das relações familiares. Os contos exploram temas como a busca de identidade, a solidão e os vínculos emocionais. A obra sugere que, além da rotina enfraquecer os laços familiares, ela também aprisiona o indivíduo, impedindo-o de se realizar plenamente.

Um dos principais contos dessa obra é Amor, marcado pela estrutura de monólogo interior de uma narradora que, a partir de uma epifania, passa a repensar toda a sua vida.

A Paixão Segundo G.H. (1964)

Um dos trabalhos mais desafiadores de Lispector, o livro narra a jornada existencial de G.H.. Após demitir a empregada, ela limpa o quarto de serviço, encontra uma barata e, intrigada, come parte de seu interior para buscar uma compreensão mais profunda de si mesma. O livro explora temas como vida, morte, identidade e linguagem, terminando com G.H. buscando um novo sentido para sua vida após essa experiência.

Felicidade Clandestina (1971)

Esta coletânea de contos é marcada por narrativas que exploram temas como infância, descobertas pessoais e a complexidade das relações humanas. São 25 narrativas escritas em diferentes períodos da vida da autora, sendo algumas delas com cunho autobiográfico.

Água Viva (1973)

Considerada uma obra de prosa poética, Água Viva é uma narrativa fragmentada e introspectiva que explora a experiência da existência e a busca pela expressão artística.

Escrito em forma de monólogo interior, o livro não segue uma estrutura convencional (e nem tem um enredo propriamente dito), mas simula o fluxo de pensamento da protagonista, uma pintora sem nome. Por fim, o texto aborda temas como o tempo, a linguagem, a identidade, e a relação entre a escrita e a pintura.

A Hora da Estrela (1977)

Em seu último romance publicado antes de sua morte, Clarice narra a história de Macabéa, uma mulher nordestina que vive no Rio de Janeiro. O narrador da obra, Rodrigo S.M., é um escritor que cria e controla a vida da personagem.

O enredo explora a vida simples e trágica de Macabéa, sua ingenuidade e sua luta pela sobrevivência na cidade grande. Além disso, a narrativa transcende a história individual de Macabéa para abordar temas mais amplos, como a solidão, a identidade, a condição da mulher e a busca por significado na existência.

Se Eu Fosse Eu, publicada em A Descoberta do Mundo (1984)

A Descoberta do Mundo é um volume póstumo que reúne 468 crônicas, publicadas pela autora na coluna semanal que mantinha no Jornal do Brasil, entre 1967 e 1973.

Em Se Eu Fosse Eu, uma das crônicas que compõem a obra, Clarice reflete sobre a busca por si mesma ao se questionar o que faria se fosse verdadeiramente ela. Além disso, o texto destaca a dificuldade em ser autêntico, expressando a sensação de desconforto ao confrontar a própria identidade.

Frases de Clarice Lispector para usar como repertório

Conheça algumas frases da autora para usar como repertório sociocultural de redações do Enem e vestibulares, e algumas possibilidades de temas para utilizá-las.

  • "Escrevo sem esperança de que alguma coisa que eu escreva possa mudar o que quer que seja. Não muda nada" — Entrevista ao programa Panorama, 1977.
    Possível tema: questões sociais dentro do recorte "persistência", como persistência da violência contra a mulher.

  • "Nós, os artistas do grande negócio, sabemos que a obra de arte não nos entende." — A Legião Estrangeira, 1964.
    Possível tema: desvalorização ou capitalização da arte.

  • "Mas existe um grande, o maior obstáculo, para eu ir adiante: eu mesma. Tenho sido a maior dificuldade no meu caminho." — Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres, 1969.
    Possível tema: as ações do homem e os danos causados ao meio ambiente.

  • "Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada" — Água Viva, 1973.
    Possível tema: adultização das crianças.

  • "Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?" — A Hora da Estrela, 1977.
    Possíveis temas: invisibilidade das pessoas em situação de rua; falta de humanização de dependentes químicos.

Como Clarice Lispector cai no Enem e vestibulares

Os textos de Clarice Lispector são recorrentes em questões tanto do Enem, quanto do vestibular. Ambas as provas cobrarão de você a interpretação de trechos de algumas obras à luz das características literárias da autora. Confira!

Questão Enem

(ENEM) A partida de trem
Marcava seis horas da manhã. Angela Pralini pagou o táxi e pegou sua pequena valise. Dona Maria Rita de Alvarenga Chagas Souza Melo desceu do Opala da filha e encaminharam-se para os trilhos. A velha bem-vestida e com joias. Das rugas que a disfarçavam saía a forma pura de um nariz perdido na idade, e de uma boca que outrora devia ter sido cheia e sensível. Mas que importa? Chega-se a um certo ponto – e o que foi não importa. Começa uma nova raça. Uma velha não pode comunicar-se. Recebeu o beijo gelado de sua filha que foi embora antes do trem partir. Ajudara-a antes a subir no vagão. Sem que neste houvesse um centro, ela se colocara do lado. Quando a locomotiva se pôs em movimento, surpreendeu-se um pouco: não esperava que o trem seguisse nessa direção e sentara-se de costas para o caminho.
Angela Pralini percebeu-lhe o movimento e perguntou:
— A senhora deseja trocar de lugar comigo?
Dona Maria Rita se espantou com a delicadeza, disse que não, obrigada, para ela dava no mesmo. Mas parecia ter-se perturbado. Passou a mão sobre o camafeu filigranado de ouro, espetado no peito, passou a mão pelo broche. Seca. Ofendida? Perguntou afinal a Angela Pralini:
— É por causa de mim que a senhorita deseja trocar de lugar?

LISPECTOR, C. Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980 (fragmento).

A descoberta de experiências emocionais com base no cotidiano é recorrente na obra de Clarice Lispector. No fragmento, o narrador enfatiza o(a)
a) comportamento vaidoso de mulheres de condição social privilegiada.
b) anulação das diferenças sociais no espaço público de uma estação.
c) incompatibilidade psicológica entre mulheres de gerações diferentes.
d) constrangimento da aproximação formal de pessoas desconhecidas.
e) sentimento de solidão alimentado pelo processo de envelhecimento.

Resposta: [E]
No fragmento, a descrição da personagem idosa, Dona Maria Rita, e o gesto de sentar-se de costas para o caminho do trem sugerem uma reflexão sobre a solidão que o envelhecimento pode trazer. O convite de Angela Pralini para trocar de lugar evidencia a sensibilidade em relação à possível solidão da personagem idosa, reforçando a ideia central do fragmento.

Questão Vestibular

(UNICAMP) “Um cego me levou ao pior de mim mesma, pensou espantada. Sentia-se banida porque nenhum pobre beberia água nas suas mãos ardentes. Ah! era mais fácil ser um santo que uma pessoa! Por Deus, pois não fora verdadeira a piedade que sondara no seu coração as águas mais profundas? Mas era uma piedade de leão.”

(Clarice Lispector, “Amor”, em Laços de família. 20º ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990, p. 39.)

Ao caracterizar a personagem Ana, a expressão “piedade de leão” reune valores opostos, remetendo simultaneamente à compaixão e à ferocidade.

É correto afirmar que, no conto “Amor”, essa formulação
a) Revela um embate de natureza social, já que a pobreza do cego causa náuseas na personagem.
b) Expressa o dilema cristão da alma pecadora diante de sua incapacidade de fazer o bem.
c) Indica um conflito psicológico, uma vez que a personagem não se sente capaz de amar.
d) Alude a um contraste moral e existencial que provoca na personagem um sentimento de angústia.

Resposta: [D]
A expressão "piedade de leão" revela a complexidade emocional da personagem Ana, que experimenta tanto compaixão quanto ferocidade. Ao reconhecer essa dualidade em si mesma, Ana sente horror, destacando um conflito moral e existencial.

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Kimberli Sabino Ariotti

Analista Pedagógica de Linguagens do Aprova Total. Licenciada em Letras pela UFSC e Mestre em Linguística pela mesma instituição.

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Analista Pedagógica de Linguagens do Aprova Total. Licenciada em Letras pela UFSC e Mestre em Linguística pela mesma instituição.

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