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20 anos do filme Carandiru e os desafios do sistema carcerário

O tema é sempre um forte candidato a aparecer como proposta de redação no Enem e nos vestibulares. Conheça os fatos que inspiraram o longa e confira dados importantes a respeito da realidade prisional no Brasil

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Em abril de 2003 ocorreu o lançamento do filme Carandiru, dirigido por Héctor Babenco e baseado no livro Estação Carandiru, de Dráuzio Varella. São 20 anos desde a sua estreia, um passado distante, mas que ainda provoca discussões sobre os desafios do sistema carcerário brasileiro.

Na obra escrita, o médico narra suas experiências no trabalho de prevenção à Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) na Casa de Detenção de São Paulo, localizada no Carandiru. Enquanto no longa, o clímax envolve o massacre ocorrido em outubro de 1992 na unidade.

O massacre

Em 2 de outubro de 1992, após o início de uma briga no Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, no Carandiru, 330 policiais militares invadiram o local e mataram 111 detentos alegando legítima defesa.

Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o país possuía 114,3 mil presos na época, número que cresceu sete vezes até abril de 2023, chegando a mais de 837 mil. O percentual de pessoas privadas de liberdade passou de 0,1% da população com mais de 18 anos para 0,5%.

No dia do massacre, o Carandiru abrigava 7.500 detentos, o dobro da sua capacidade. As celas do Pavilhão 9, normalmente, reuniam os presos de primeira viagem, que não tem antecedentes criminais. Os 74 policiais militares condenado pela ação nunca cumpriram pena em meio a inúmeros novos recursos jurídicos.

Sistema carcerário brasileiro - Pavilhão 9 - Carandiru
Painel do Museu Penitenciário de São Paulo mostra o Pavilhão 9 (Imagem: Wikimedia Commons)

O coronel Ubiratan Guimarães, comandante da invasão, foi condenado a 632 anos de prisão em 2001. Depois, recorreu em liberdade e, no ano seguinte, elegeu-se deputado federal com o número 111 (uma alusão à quantidade de mortos na ocasião). Ele faleceu em 2006.

Sistema carcerário brasileiro: brutalidade e desumanização

Dados da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DEPESP) apontam que metade das unidades prisionais do estado não possuem equipe mínima de saúde e 70% racionam água. Além disso, estão superlotadas em sua maioria. Na escala do Brasil os números são alarmantes: 1 pessoa morre a cada 6 horas em algum presídio do país. Muitas vezes, a punição é desproporcional em relação à gravidade do delito, já que mais da metade dos encarcerados não praticaram crime com grave ameaça ou violência.

O Depen aponta que o país possui 837 mil detentos, com 49,85% em regime fechado, 29% em regime semiaberto e 19% em regime aberto. Mais de 95% dessas pessoas são homens.

Sobre o sistema carcerário brasileiro, o Instituto Igarapé indica que o excesso de ocupação das unidades prisionais dificulta a mudança de trajetória desses indivíduos. Problemas no acesso a saúde, educação, assistência social e trabalho também são recorrentes.

Outro ponto de reflexão é que os presídios brasileiros se tornaram locais de recrutamento para facções criminosas. Elas oferecem proteção em meio a um ambiente onde a violência e a desumanização são recorrentes.

As prisões se tornam ainda campos de batalha entre diferentes grupos do crime organizado, gerando inúmeros massacres.

Um conflito entre facções deixou 56 mortos na Unidade Prisional Puraquequara, em Manaus, em 2017. No mesmo Complexo Penitenciário, o Compaj, 55 detentos foram assassinados em 2019, em um dia de visitas familiares. Ainda em 2019, Altamira foi palco da maior tragédia carcerária do Pará e a segunda maior do país, que terminou com 62 mortes motivadas por brigas entre rivais.

Três Poderes e suas negligências com o sistema carcerário brasileiro

A chamada Lei de Drogas, n. 11.343, de 2006, aumentou o número de presos por tráfico. Você sabe por quê? Ela endurece as penas para traficantes e retira a punição para usuários, mas não define objetivamente como diferenciá-los. O resultado foi o aumento das condenações por tráfico, ampliando ainda mais a população carcerária.

Em 2021, os crimes relacionadas a entorpecentes eram responsáveis por 29% das detenções no país, atrás apenas de roubos e furtos, com 40%, segundo o Depen.

O Brasil possui a terceira maior população encarcerada do mundo, atrás dos Estados Unidos e da China; mas a frente de países mais populosos, como Indonésia, Nigéria e Paquistão. Contudo, a Lei de Execução Penal, que garantiria separação dos condenados por perfis e periculosidade, além de inúmeros direitos, custa a sair do papel. Com isso, a ineficiência do Estado joga os detentos nas mãos do crime organizado.

Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou o sistema carcerário brasileiro “um estado de coisas inconstitucional”, com “violação massiva de direitos fundamentais” dos detento e omissão do poder público. Após novas decisões no tribunal, estabeleceu-se que os detidos em flagrante seriam ouvidos em até 24 horas, para analisar a necessidade de prisão. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a decisão permitiu uma redução de 10% no número de encarcerados no período.

Repertório: sistema carcerário brasileiro nos vestibulares

O tema da precariedade do sistema carcerário brasileiro é sempre um forte candidato à proposta de redação nos vestibulares, visto que o assunto permite explorar a capacidade argumentativa dos estudantes, que podem levantar propostas para solucionar o problema.

A temática também agrega ao repertório sociocultural do aluno, pois aparece relacionada a contextos diversos.

Em 2020, por exemplo, o álbum Sobrevivendo no inferno, do grupo de rap Racionais Mc's, integrou a lista de obras obrigatórias do vestibular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e

Sob forte contexto social, político e racial, ele discute justamente a vida nas prisões, a relação com as drogas, o crime e a fé. Destacam ainda o genocídio negro e periférico, ilustrados pelo massacre do Carandiru (1992) e pelas chacinas da Candelária e de Vigário Geral (1993).

Na época, a universidade reforçou a indicação argumentando que Sobrevivendo no inferno ensinava ritmo e poesia, com "raps cujas letras nos ensinam história, política, racismo, exclusão social e a luta por direitos".

O disco foi lançado em 1997, com 12 faixas, e se tornou livro em 2018, com o selo da Companhia das Letras. Diário de um detento, um dos maiores clássicos do rap brasileiro, aborda a condição dos presos no Carandiru e o massacre ocorrido em 1992. No vídeo, o repórter André Caramante, a rapper Drik Barbosa, Jorge Dias (filho de Mano Brown) e o Maurício Eça, diretor do clipe oficial, analisam a música:

Confira um exemplo de como a obra foi abordada no vestibular:

Questão 1 (Unicamp 2021)

GÊNESIS (INTRO)
Deus fez o mar, as árvore, as criança, o amor
O homem me deu a favela, o crack, a trairagem
As arma, as bebida, as puta
Eu?
Eu tenho uma Bíblia velha, uma pistola automática
Um sentimento de revolta
Eu tô tentando sobreviver no inferno

(Racionais Mc’s, Sobrevivendo no inferno. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 45.)

“Gênesis” é a segunda canção do álbum Sobrevivendo no Inferno. É antecedida pela invocação de uma outra canção, intitulada “Jorge da Capadócia”, de Jorge Ben. É correto afirmar que as evocações dos elementos religiosos nesse álbum

a) legitimam a violência social a que estão submetidos os pobres.
b) dificultam a tomada de consciência da população negra.
c) articulam as esferas ética e estética da experiência humana na poesia.
d) dissimulam a hipocrisia moral das pessoas religiosas.

Resposta: [C]
O grupo Racionais Mc's mescla em suas letras elementos culturais diversos, como referências bíblicas e situações cotidianas das periferias brasileiras. Ao articular essas esferas éticas (lições bíblicas) e estéticas (periferia), busca dar voz às pessoas que vivem nesses espaços, mostrando suas lutas diárias, angústias e desafios. Ao mesmo tempo, apresenta uma reflexão ética sobre a situação de desigualdade social e violência a que estão submetidas.
Quando se cita a Bíblia, por exemplo, o faz de maneira crítica, sugerindo que os indivíduos em situação de vulnerabilidade buscam na religião uma forma de enfrentar as adversidades. Por outro lado, a referência à pistola e ao crack retrata a violência e a exclusão social que marcam a realidade das periferias.

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Víctor Daltoé dos Anjos

Professor de Atualidades do Aprova Total. Bacharel e licenciado em Geografia pela UFSC e mestre em Ciência Política pela mesma instituição.

Ver mais artigos de Víctor Daltoé dos Anjos >

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