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Dia Nacional do Combate à Intolerância Religiosa: como o tema pode ser cobrado nas provas?

21 de janeiro: a perseguição às religiões afro-brasileiras é um dos principais fatores que motivaram a criação da data instituída por lei em 2007

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Antes de entender como intolerância religiosa e vestibular se relacionam, é preciso contextualizar a data de hoje. Um episódio de perseguição contra o terreiro Axé Abassá de Ogum, no bairro de Itapuã, em Salvador (BA), entre 1999 e o início de 2000, por membros de uma igreja pentecostal cristã, está na origem do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, instituída pela Lei 11.365, de 2007. 

Na ocasião, ocorreram ataques verbais e físicos, que levaram à morte por infarto fulminante da ialorixá Mãe Gilda, em 21 de janeiro. Assim, a escolha da data está estreitamente vinculada à vigilância em relação à perseguição às religiões afro-brasileiras, como candomblé e umbanda, nas suas mais variadas ramificações, e à necessidade de reforçar a importância da tolerância religiosa. 

Segundo um levantamento realizado pela Globo News, o Brasil registrou três queixas de intolerância religiosa por dia entre janeiro e junho de 2022. No total, 545 denúncias foram recebidas apenas no Disque 100, serviço para denunciar violações de direitos do então Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. São Paulo é o estado com mais registros (111), seguido do Rio de Janeiro, com 97, Minas Gerais (51), Bahia (39), Rio Grande do Sul (26), Ceará (11) e Pernambuco (13).

Intolerância religiosa e vestibular

A intolerância religiosa costuma aparecer nos vestibulares vinculada a esse alto grau de perseguição às religiões afro-brasileiras quando comparadas aos outros credos, mas inserida também em debates mais amplos. O tema da redação do Enem 2016, por exemplo, teve como mote central “Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”.

Em 2016, marcha em Porto Alegre (RS) pedia o fim da intolerância religiosa
Em 2016, marcha em Porto Alegre (RS) pedia o fim da intolerância religiosa (Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Na proposta, os textos de base destacavam a laicidade do Estado brasileiro, as punições presentes no código penal contra os intolerantes em relação à religiosidade e o preconceito mais intenso no país em relação às crenças de matriz afro-brasileira. Tratavam ainda da diferenciação entre o saudável questionamento de dogmas religiosos e a agressividade e violência pura e simples com a religião alheia.

Repertório importante sobre intolerância religiosa e vestibular

A seguir, reunimos alguns dos principais aspectos que você precisa saber sobre essa temática:

Racismo e religião

As religiões de matriz africana são os alvos mais frequentes de intolerância religiosa no Brasil. Dessa forma, a lei sancionada em janeiro 2023 pelo governo federal, equiparando o crime de injúria racial ao de racismo, também protege a liberdade religiosa. Agora, a pena para quem impedir ou empregar violência a quaisquer manifestações ou práticas nesse contexto é de até 5 anos de prisão. Essa punição é a mesma prevista pelo crime de racismo, quando a discriminação é contra grupo ou coletividade, pela raça ou pela cor.

Sobre intolerância religiosa: mulher em 15ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, em Copacabana, Rio de Janeiro
Participante da 15ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, em Copacabana, Rio de Janeiro (Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil)

A repressão às religiões de origem afro-brasileira costuma envolver invasões de templos, destruição de imagens, incêndios de locais de culto e pichações. Além disso, é comum que os episódios de intolerância estejam acompanhados de outros crimes: em 14 de agosto de 2019, oito traficantes cariocas foram presos por ataques em terreiros de candomblé em Duque de Caxias (RJ). A facção que integravam, o Terceiro Comando Puro, tinha como chefe um pastor.

Constituição Federal de 1988

O Brasil só se tornou um Estado laico por meio de um decreto de 1890, realizado pelo recém proclamado governo republicano. No 10º artigo da primeira constituição da República, de 1891, declarou-se que a União e os Estados estavam proibidos de “estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos”. Esse foi um rompimento histórico, dado que a carta magna anterior, de 1824, determinava o cristianismo católico como religião oficial do Império do Brasil (1822-1889).

O estabelecimento de um Estado laico é essencial para qualquer democracia. Assim, a religião se torna um assunto da esfera privada, não mais sujeita aos incentivos ou marginalizações do Estado. Além disso, no artigo 3º da Constituição Federal, está inscrito que um dos objetivos da República é promover o bem de todos, sem discriminação, inclusive religiosa.

No 5º artigo, central para compreender os direitos dos brasileiros, afirma-se ainda que a liberdade de consciência e de crença é inviolável. O mesmo vale para o livre exercício de cultos religiosos e a proteção aos seus locais e suas liturgias.

A punição aos que desrespeitarem a liberdade religiosa no Brasil está regulada pelo Código Penal, que data de 1940, com inúmeras atualizações desde então. O artigo 208 é central para o tema, pois discute os “crimes contra o sentimento religioso”. Logo, fica passível de prisão ou multa o indivíduo que escarnecer publicamente de alguém por motivo de crença, impedir ou perturbar cerimônias religiosas ou vilipendiar ato ou objeto de culto. Se o crime envolver violência, a pena é agravada em um terço.

Direitos humanos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) expressa seu posicionamento global em nome da tolerância sobre as crenças dos indivíduos. Já no início, ressalta que todos podem invocar o documento sem distinções.

O 18º artigo destaca a liberdade de pensamento, consciência e religião, de manifestá-las, em público ou privado, e de poder modificar suas crenças e convicções ao longo da vida. É preciso garantir, porém, que a luta pela tolerância religiosa não seja distorcida em nome dos interesses de grupos radicais e extremistas.

5 exemplos de extremismo religioso

Confira alguns exemplos do que é considerado extremismo religioso:

  1. Em Mianmar, no Sudeste Asiático, cerca de 1 milhão de pessoas da minoria rohingya – geralmente muçulmanos – foram expulsas do país desde 2017. Além de refugiados, muitos são apátridas, sem nenhuma cidadania garantida no país de origem, onde a repressão se dá em nome da maioria budista.
  2. Na China de Xi Jinping, por sua vez, milhares de uigures – majoritariamente islâmicos – foram encarcerados na última década em “campos de reeducação”. Sua religião é vista, de forma preconceituosa, como terreno fértil para o terrorismo. Isso é algo próximo do discurso propagado durante o governo Bush (2001-2009) nos Estados Unidos.
  3. O governo ultranacionalista do indiano Narendra Modi, no poder desde 2014, tem apostado na perseguição à enorme minoria muçulmana do país. Os islâmicos correspondem a mais de 200 milhões, mas não se encaixam no discurso do governo de que a Índia é o país privilegiado dos hindus, e não de outras religiões.
  4. No Afeganistão, o Talibã voltou a impor em 2021 o seu governo teocrático sobre mais de 40 milhões de pessoas, com sua versão extremista do islamismo sunita.
  5. No vizinho Irã, é uma teocracia muçulmana xiita que comanda a ferro e fogo a nação desde 1979. Em várias regiões da África, do Mali a Moçambique, grupos jihadistas também estendem sua sombra sobre o povo.

Intolerância religiosa e vestibular - exemplos de questões

Exemplo 1

(Enem 2019) A maior parte das agressões e manifestações discriminatórias contra as religiões de matrizes africanas ocorrem em locais públicos (57%). É na rua, na via pública, que tiveram lugar mais de 2/3 das agressões, geralmente em locais próximos às casas de culto dessas religiões. O transporte público também é apontado como um local em que os adeptos das religiões de matrizes africanas são discriminados, geralmente quando se encontram paramentados por conta dos preceitos religiosos.

REGO, L. F.; FONSECA, D. P. R.; GIACOMINI, S. M. Cartografia social de terreiros no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2014.

As práticas descritas no texto são incompatíveis com a dinâmica de uma sociedade laica e democrática porque:

a) asseguram as expressões multiculturais.
b) promovem a diversidade de etnias.
c) falseiam os dogmas teológicos.
d) estimulam os rituais sincréticos.
e) restringem a liberdade de credo.

Resposta: [E]
a) Incorreta. O texto aponta a perseguição contra as religiões afro-brasileiras, o que não é compatível com o respeito à variedade de culturas.
b) Incorreta. A diversidade não é respeitada nos exemplos dados pelo texto.
c) Incorreta. Os exemplos descritos ressaltam a perseguição contra a liberdade de credos e não discute dogmas religiosos.
d) Incorreta. As religiões afro-brasileiras também possuem elementos sincréticos. Além disso, o sincretismo é compatível com uma sociedade democrática e laica.
e) Correta. A perseguição às religiões afro-brasileiras descrita no texto é um elemento que restringe a liberdade de credo, garantida no Brasil pela Constituição Federal de 1988.

Exemplo 2

(UFPR 2017) Considere o texto e o gráfico abaixo:

Gráfico que compõe questão da UFPR, demonstração de como intolerância religiosa cai no vestibular

A cada três dias, em média, uma denúncia de intolerância religiosa chega à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Entre 2011 e 2014, 504 queixas desse tipo foram relatadas à pasta pelo Disque 100 – canal de denúncias para violações dos direitos humanos, que são repassadas à polícia e ao Ministério Público. [...] Em 2013, 45 episódios relatados de intolerância religiosa envolveram violência física (20% dos casos do ano). Até julho de 2014, outros 18 haviam sido registrados (12%). Fiéis de religiões de matriz africana (candomblé e umbanda) são os alvos mais comuns dos relatos de intolerância recebidos pelo serviço – um terço dos episódios em que há esse tipo de detalhamento.

(Folha de S. Paulo, 27/06/2015. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/06/1648607-a-cada-3-dias-governo-recebe-umadenuncia-de-intolerancia-religiosa.shtml> . Acesso em 04 de agosto de 2017.)

Resposta: [C]
a) Incorreta. As religiões mais afetadas pelas denúncias de intolerância mantiveram-se estáveis em percentual de adeptos, além disso, o número absoluto aumentou.
b) Incorreta. A religião com mais adeptos é o cristianismo, monoteísta, na versão católica ou evangélica.
c) Correta. O candomblé e a umbanda aparecem tanto entre as religiões mais perseguidas no Brasil como dentre as com menor número de adeptos, quando comparadas ao total.
d) Incorreta. O catolicismo apostólico romano não teve aumento percentual de adeptos entre 2000 e 2010. É possível inferir também que as religiões de matriz africana mantiveram estável seu percentual na população brasileira, mas não que diminuíram seu número de adeptos.
e) Incorreta. O texto que acompanha a questão defende que continuam altos os casos de intolerância religiosa, notadamente contra as religiões afro-brasileiras.

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Víctor Daltoé dos Anjos

Professor de Atualidades do Aprova Total. Bacharel e licenciado em Geografia pela UFSC e mestre em Ciência Política pela mesma instituição.

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Professor de Atualidades do Aprova Total. Bacharel e licenciado em Geografia pela UFSC e mestre em Ciência Política pela mesma instituição.

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