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Incêndio na boate Kiss completa 10 anos e traz reflexões sobre negligências envolvidas

Muitos elementos contribuíram para a tragédia que vitimou centenas de jovens. Entendê-los ajuda a compreender os impactos que o episódio provocou na sociedade

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Em 27 de janeiro de 2013, o município de Santa Maria, que fica no Rio Grande do Sul, viveu a noite mais trágica de sua história: o incêndio que vitimou 242 pessoas e deixou outras 600 feridas na boate Kiss, famosa casa de shows da região.

Desde 2009, o local funcionava como ponto de encontro dos universitários e, na festa em questão, cerca de 1000 indivíduos estavam presentes onde, no máximo, caberiam aproximadamente 750. Era por volta das 3h da madrugada quando um artefato de pirotecnia foi aceso e as faíscas atingiram a espuma de isolamento acústico que recobria o teto.

Houve algumas tentativas de apagar o fogo, mas o extintor mais próximo do palco não funcionou. Em meio à fumaça densa, as pessoas precisaram buscar a saída de emergência. As que conseguiram chegar à rua foram socorridas e encaminhadas aos hospitais. No entanto, mesmo atendidas pelos médicos, muitas pioraram e acabaram falecendo.

Explicações científicas

Após análise de amostras de sangue das vítimas, foi descoberto por que elas faleciam, apesar de já não estarem expostas ao fogo ou à fumaça: o motivo tinha relação com o artefato pirotécnico utilizado e a espuma que recobria o teto.

A “chuva de prata”, sinalizador que solta faíscas e que foi usado pela banda na noite do incêndio, é um dispositivo que contém pólvora e serve apenas para ambientes abertos. Por sua vez, o isolamento acústico da boate foi feito a partir de uma espuma de colchão, que era inflamável e fez o fogo se espalhar rapidamente.

Essa espuma é composta de poliuretano, um material que, ao queimar, libera, entre outros gases, monóxido de carbono (CO) e gás cianídrico (HCN). Tais gases são tóxicos, por isso muitas pessoas não sobreviveram, ainda que socorridas.

O que acontece no organismo?

A absorção dos gases pelos pulmões e posterior distribuição pelo corpo se dá pelo sangue. Ao atingir as hemácias (ou glóbulos vermelhos), o monóxido de carbono se fixa à hemoglobina, formando uma ligação muito estável e difícil de ser quebrada. Isso impede o transporte do oxigênio. Ou seja, o CO impede as trocas gasosas nas hemácias, impossibilitando que o ar respirado seja distribuído pelo corpo, causando uma asfixia química.

Já o HCN provoca a parada da respiração celular, um dos principais processos de obtenção de energia das células. Isso acontece porque ele inibe a citocromo oxidase, enzima essencial para que a cadeia respiratória ocorra. O ácido cianídrico, inalado pelas vítimas da boate Kiss, é o mesmo gás usado nos campos de concentração nazistas durante a 2ª Guerra Mundial

Vale ressaltar que o desespero instaurado no ambiente foi um agravante. Em ocasiões assim, o corpo acelera a frequência cardíaca e respiratória, o que contribuiu para aumentar a presença desses gases tóxicos nos pulmões.

Dez anos depois da boate Kiss

homenagem às vítimas da boate kiss
Incêndio na Boate Kiss completa 10 anos sem determinação de culpados (Reprodução: Agência Brasil)

Muitos elementos contribuíram para o incêndio que vitimou centenas de jovens na boate Kiss. Por mais doloroso que seja relembrar o que aconteceu, entender as camadas de negligência ajuda a compreender por que ele foi tão letal e quais impactos o episódio provocou na sociedade.

Atualmente, o caso continua sem que ninguém tenha sido responsabilizado. Em 2021, um júri condenou quatro pessoas, mas foi anulado por questões processuais. O Ministério Público do Rio Grande do Sul tenta reverter essa anulação nos Tribunais Superiores e ainda não há data para um novo julgamento.

Essa tragédia suscita reflexões, por exemplo, sobre o papel dos proprietários em relação ao cumprimento das normas de segurança do estabelecimento e do Estado em relação a essa fiscalização.

Estado, fiscalização e culpa

No mesmo ano da tragédia em Santa Maria (RS) foi aprovada a Lei 14.376, conhecida como Lei Kiss, que tornava mais rígida as normas de segurança, prevenção e proteção contra incêndios no estado. A sanção veio em dezembro de 2013, pelo então governador Tarso Genro. Garantia-se a partir daquela data, prazo de dois anos para que as cidades do Rio Grande do Sul se adaptassem às normas estabelecidas.

A adequação das edificações existentes e áreas de risco de incêndio, assim como penalidades e infrações aplicáveis ao descumprimento das novas diretrizes foram as primeiras medidas previstas. Pouco tempo depois, porém, a Assembleia Legislativa dispensou a necessidade de alvará para 730 tipos de imóveis e desobrigou a contratação de engenheiro ou arquiteto para Anotação de Responsabilidade Técnica (ART). Uma total desidratação das propostas iniciais.

Em 2017, cinco anos após o incêndio, a fim de unificar regras para estados e municípios, definindo competências e responsabilidades sobre a segurança em casas de espetáculos, entrou em vigor a Lei 13.425. Alguns artigos, contudo, receberam veto presidencial. Foram eles:

  • Responsabilidade penal - A Lei Kiss previa que donos de estabelecimentos em que ocorressem acidentes como o da cidade de Santa Maria fossem penalizados;
  • Cometimento de improbidade administrativa aos prefeitos que deixassem de fiscalizar as normas de proteção a incêndio - Michel Temer considerou a medida desproporcional;
  • Adequação dos estabelecimentos conforme a lei de edificações - a norma previa saídas de emergências em mais de uma direção. O argumento de veto foi que isso geraria mais custos sem aumentar a segurança de forma relevante;
  • Proibição do uso de comandas nas boates - argumentou-se que a medida seria muito prejudicial aos interesses mercadológicos dos donos de estabelecimentos.

Lei Kiss

A Lei Kiss destaca que, para começar a funcionar, edificações comerciais, de serviços ou áreas que recebem grande concentração de público, devem passar por vistorias do Corpo de Bombeiros. O poder público também precisa solicitar aos responsáveis pelo empreendimento documentos que comprovem:

  1. O tipo de atividade desenvolvida no local e em sua vizinhança;
  2. A capacidade e a estrutura física;
  3. Os riscos à incolumidade física das pessoas.

Além disso, outro aspecto interessante da Lei 13.425 diz respeito ao artigo 8º. Ele determina que “os cursos de graduação em Engenharia e Arquitetura, bem como os cursos de tecnologia e de ensino médio correlatos, incluirão nas disciplinas ministradas conteúdo relativo à prevenção e ao combate a incêndio e a desastres”. No entanto, até hoje, faltam detalhes de como as universidades deveriam organizar seus currículos para cumprir essa diretriz.

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