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Copa e vestibular: como o evento máximo do futebol ajuda a entender o mundo

O principal torneio do futebol mundial, que nesta 22ª edição acontece no Catar, revela importantes aspectos do contexto internacional, que podem ser pedidos nos vestibulares

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Mais do que mobilizar a paixão pelo esporte mais popular do planeta, a Copa do Mundo é uma ótima oportunidade para percebermos algumas questões importantes da atualidade e aspectos geopolíticos – conteúdos que os vestibulares gostam de cobrar.

A Copa do Catar, por exemplo, trouxe a discussão sobre o desrespeito aos direitos humanos dos operários imigrantes que trabalharam na construção dos estádios. Na Copa da Rússia (2018), o debate foi em torno da questão da homofobia. Voltando no tempo, em 1978, na Copa da Argentina, a vitória da seleção anfitriã serviu para o regime militar da época alimentar o ufanismo nacionalista. Também é comum ocorrer manifestações políticas, como vimos nesta Copa os protestos de atletas contra o racismo. Veja, a seguir, alguns destaques desta e de outras Copas.

Primeira Copa realizada no Oriente Médio

A Copa do Mundo do Catar é a primeira realizada no Oriente Médio, região ainda hoje sacudida por guerras civis. Porém, os jogos desse evento esportivo internacional estão bem longe dos campos de batalha na Síria e no Iêmen. Os estádios ultramodernos expressam a riqueza de um país sustentado pela exportação de petróleo e gás e controlado por uma monarquia autocrática.

O Catar é um emirado de 3 milhões de habitantes à beira do Golfo Pérsico. Possui muita riqueza, mas contrastou durante muito tempo com a clara hegemonia da vizinha Arábia Saudita. Porém, nas últimas décadas, a dinastia Al Thani tem tentado achar um lugar ao sol para a influência do Catar em um Oriente Médio atravessado pela rivalidade entre iranianos e sauditas.

O país tem investido muito em grandes eventos esportivos, do ciclismo ao tênis, do golfe ao atletismo, desembocando no futebol. O clube francês Paris-Saint Germain já está sob propriedade de uma empresa catari, e o espanhol Málaga pertence a um integrante da família real do emirado. 

Ou seja, sediar uma Copa do Mundo é um projeto explícito da monarquia do Catar para expandir sua influência regional e mundial. Para isso, não pouparam despesas: é a edição mais cara da história, com custos que superam os 200 bilhões de dólares. Contudo, o evento escancarou um lado obscuro do país.

O desrespeito aos direitos humanos na Copa do Catar (2022)

Um relatório lançado em parceria do jornal britânico The Guardian e a da organização não-governamental Human Rights Watch apontou graves violações aos direitos humanos no Catar. O alvo das acusações: a morte de cerca de 6.750 trabalhadores durante a construção da infraestrutura que envolve a Copa de 2022, o que inclui estádios, estações de metrô, hotéis e outros equipamentos.

O sistema Kafalah, que pode ser traduzido como uma mistura entre “garantia” e “patrocínio”, foi imposto aos trabalhadores. Ele costumeiramente violava a dignidade dos operários, com o sequestro de seus passaportes, impedimento de circulação, alojamentos abarrotados e jornadas de trabalho excessivas em zonas de alta temperatura. Com um agravante: a maioria dos trabalhadores eram imigrantes.

Estádio de Lusail, cidade do Catar
Estádio de Lusail, cidade do Catar (Imagem: SUAXINGPWOO Kaliu/Wikimedia)

A população catari é uma minoria no Catar. Mais de 80% dos habitantes são imigrantes, atraídos pela pujança econômica do pequeno emirado petrolífero. As principais origens dos estrangeiros mais pobres são países do sul da Ásia, como Índia, Bangladesh, Nepal, Paquistão e Sri Lanka, e do Sudeste Asiático, como Filipinas. 

O desrespeito aos direitos dos trabalhadores imigrantes no Catar gerou forte questionamento internacional sobre a realização da Copa no país. No entanto, não é a primeira vez que um grande evento esportivo acontece em uma nação pouco afeita aos direitos humanos. A China, por exemplo, sediou as Olimpíadas de Verão e Inverno em 2008 e 2022, respectivamente.

Nacionalismo e tortura na Copa da Argentina (1978)

A copa de 1978 ocorreu na Argentina, em um contexto de profunda repressão política. Dois anos antes, um golpe militar havia empurrado o país para as sombras de uma ditadura. Campeã, a seleção argentina recebeu o troféu das mãos do general Jorge Videla. Estima-se que cerca de 30 mil pessoas foram mortas e/ou desapareceram durante o regime, que só teve fim em 1983.

A vitória da Argentina no mundial de 1978 serviu para o regime militar alimentar o ufanismo nacionalista. Mas, para uma parte da população, o perigo morava ao lado. O estádio Monumental de Núñez, principal palco da copa, estava a apenas dois quilômetros da Esma, a Escola Superior de Mecânica da Armada, o principal centro de tortura da ditadura militar argentina. Contudo, a Federação Internacional de Futebol (Fifa), presidida pelo brasileiro João Havelange na época, apenas elogiou a condução do evento pelo país-sede.

Em decadência, o regime militar argentino fez uma aposta mais alta na Copa seguinte, em 1982: invadiu as ilhas Malvinas, sob controle britânico desde 1833. A resposta do Reino Unido foi a guerra e a vitória sobre o país sul-americano. Era a pá de cal para os militares e, no ano seguinte, a ditadura caiu. O poder voltou para o controle civil com Raúl Alfonsín e a democracia se consolidou. Mas as relações entre a Argentina e o Reino Unido continuaram tensas.

Na Copa de 1986, realizada no México, a seleção argentina enfrentou a Inglaterra – um dos membros do Reino Unido – nas quartas de final. No estádio Azteca, na Cidade do México, os argentinos venceram os ingleses com dois gols de Diego Armando Maradona. O furor nacionalista se expressou novamente, no que foi visto como uma revanche face à derrota na Guerra das Malvinas (1982).

A campanha contra a homofobia na Copa da Rússia (2018)

O debate sobre a homofobia em países que sediam grandes eventos esportivos assinalou a Copa da Rússia, em 2018. Afinal, paradas de orgulho gay e conteúdos publicitários que mostram sinais de afeto entre pessoas do mesmo sexo estão proibidos no país desde 2013. Naquele ano, uma lei foi aprovada contra a promoção de relações sexuais “não tradicionais”. O discurso do governo de Vladimir Putin (desde 1999) é o de que a “propaganda gay” é uma influência ocidental. No país, a homossexualidade foi considerada crime até 1993 e uma doença mental até 1999. 

A polêmica sobre leis homofóbicas voltou à tona na Copa do Catar (2022). No país, a homossexualidade também é considerada crime pelo artigo 296 do Código Penal, com possibilidade de até sete anos de prisão. Khalid Salman, ídolo histórico do futebol catari e uma espécie de embaixador da Copa de 2022, afirmou recentemente que enxerga os gays como portadores de um “dano mental”. Legislações com o mesmo tom podem ser encontradas em todos os países próximos, como Arábia Saudita e Irã, onde o Estado não é laico e é guiado por interpretações religiosas conservadoras.

A campanha OneLove surgiu como questionamento à legislação homofóbica catari e no mundo como um todo. Em nome da tolerância em relação à diversidade sexual, federações de futebol europeias começaram a se manifestar. Jogadores, como o goleiro alemão Manuel Neuer e o centroavante britânico Harry Kane, passaram a defender o uso do símbolo da campanha, com as cores do arco-íris, nas suas braçadeiras de capitão. Eles chegaram a utilizá-los em jogos anteriores à copa e prometeram repetir o ato no grande torneio global.

Manifestações políticas em 2022

Mas não demorou para que a Fifa entrasse em jogo e se posicionasse contra o protesto. A justificativa era o argumento frágil de que o futebol não deveria se misturar com manifestações políticas. Ameaçados de receberem punições durante os jogos, os atletas não usaram a braçadeira com o símbolo OneLove. Contudo, a seleção alemã posou para uma foto antes de sua primeira partida com todos os jogadores cobrindo os lábios em sinal de crítica às determinações da Fifa.

A partida entre Inglaterra e Irã na Copa do Mundo de 2022 também foi marcada por manifestações políticas dos dois lados. No lado inglês, os jogadores colocaram-se numa posição que simboliza o antirracismo desde o assassinato do americano George Floyd em maio de 2020: um dos joelhos apoiados no chão e as mãos colocadas sobre o outro. 

Os jogadores iranianos, por sua vez, mantiveram-se calados durante o hino do Irã, em apoio aos protestos que se espalham pelo país desde a morte da jovem curda Mahsa Amini, presa pela “polícia da moralidade”. Na torcida do país, podia ser visto o slogan “Mulher, vida e liberdade”, símbolo dos protestos, cuja repressão pelo Estado já levou à morte de centenas no Irã. No Catar, a situação das mulheres também é de restrição de direitos, com permanente tutela masculina por membros da família.

O império da Fifa

As Copas do Mundo organizadas pela Fifa ocorrem desde 1930, com a primeira edição realizada no Uruguai, vencedor daquele torneio. A organização surgiu em 1904, com a associação de federações de futebol de países europeus, mas logo outras seleções passaram a se destacar. Desde então, os campeões se concentraram em times sul-americanos, como Brasil, Argentina e Uruguai, e europeus, como Itália, França, Alemanha, Inglaterra e Espanha.

Cerimônia de abertura da Copa do Mundo em Doha, Catar
Cerimônia de abertura da Copa em Doha, Catar (Imagem: Wikimedia)

Ao longo do século, o esporte se tornou o mais popular do planeta, mas a Fifa manteve-se pequena e de baixo orçamento. Tudo mudou com a chegada do brasileiro João Havelange à presidência da organização, em 1974, cargo que ocupou até 1998. Durante sua gestão, a Fifa tornou as Copas do Mundo eventos que envolvem muitas receitas, principalmente com patrocínios de grandes empresas e a venda dos direitos de transmissão e marketing.

Escândalos e irregularidades

O sistema montado por Havelange abriu espaço para que escândalos de corrupção, envolvendo compra de votos na escolha de países-sede de Copas, subornos e desvios de recursos, se tornassem mais comuns. O sistema pouco mudou durante a gestão de Joseph “Sepp” Blatter (1998-2015), que teve fim com um escândalo. 

Em maio de 2015, uma investigação do Federal Bureau of Investigation (FBI) e do Departamento de Justiça dos Estados Unidos levou ao indiciamento de diversos integrantes da alta cúpula da Fifa, o Comitê Executivo. Prisões foram realizadas em plena Zurique, na Suíça, sede da organização, com a acusação de um esquema de corrupção que envolvia 150 milhões de dólares. 

Logo depois, autoridades suíças anunciaram o início de sua própria investigação da Fifa. O enfoque eram acusações de irregularidades e compra de votos no Comitê Executivo da organização quanto à escolha das sedes dos torneios de 2018 e 2022, que seriam – e foram – realizados na Rússia e no Catar.

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Víctor Daltoé dos Anjos

Professor de Atualidades do Aprova Total. Bacharel e licenciado em Geografia pela UFSC e mestre em Ciência Política pela mesma instituição.

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